29 junho 2007

O mistério de S. Pedro de Alcântara



O restauro das cantarias escultóricas do jardim de S. Pedro de Alcântara (cujos trabalhos foram interrompidos há bastantes meses, por falta de pagamento da CML) - que pude fotografar há pouco tempo, após a acção de derrube da vedação anunciada no blogue Incubadeira - mostra um tratamento altamente duvidoso de limpeza da pedra, que parece ter sido desgastada selvaticamente de um lado, e do outro... ainda não.


Também é de estranhar que o bebedouro pertencente ao mesmo património de "mobiliário urbano" tenha sido limpo e depois deitado fora. Precisam-se opiniões técnicas.


P.S. A empresa responsável é XIX Construção Projectos e Gestão, Lda (cujo site já não está online).

21 junho 2007

As 7 letras do arco-íris



Já repararam que, desde o ano passado, o Arraial Pride assumiu mais uma letra? LGBT e H de hetero. Isso quer dizer que todos os heterossexuais que apoiam e defendem direitos iguais para todas as categorias de género e orientação sexual, podem comparecer a manifestar-se e a festejar o S. João.
Mas estas letras ainda não abrangem tod@s. É que nem toda gente encaixa no modelo de parelha que aquelas letras descrevem. Assim como há famílias unipessoais, também haverá os que se contentam na sua unicidade e ainda os que dispensam orientações sexuais. Por isso, eu acrescentava ainda mais duas letras - O de onanista - e A de assexuado: LGBTHOA (que rima com Lisboa).

18 junho 2007

A graça dos insultos



Prado Coelho, hoje no Público, cita a famigerada DREN: "Sei muito bem distinguir entre o que é uma graça e um insulto." Ora, exactamente, vejamos qual a diferença entre uma coisa e outra. Um insulto é uma acusação feita directamente à pessoa alvejada, ou na sua cara, de forma a ser sentida como ofensiva, ou em situação pública, de modo a poder ser reportada ao próprio ou a ofender os seus amigos, apoiantes ou afectos. Uma graça distingue-se do insulto porque, não sendo dita na presença do próprio, não tem consequências ofensivas para o alvo. É o que acontece todos os dias e a toda a hora quando apelidamos de estúpidos, cabotinos, medíocres, filhos da mãe, etc., aqueles que bem nos apetece, mas que sabemos não irão tomar conhecimento da má-língua feita nas suas costas. Agora se alguém de má vontade for fazer queixinhas por sms! (lembro-me de como aprendi no contexto social da escola que pior que fazer um disparate era fazer queixinhas, no tempo em que a associação às denúncias pidescas ainda estava fresca) e tornar público o que foi dito em ambiente reservado - esse, o delator, é que está a transformar uma graça num insulto, é ele o culpado, o responsável por transformar uma "boca" num assunto público. Isto independentemente do que quer que o professor Charrua tenha dito, que aqui não interessa nada.

13 junho 2007

Regresso à pré-história



Será lançado - na próxima sexta-feira, 15 de Junho - o número 5 da revista Docs.pt, com dossier dedicado às relações entre televisão e documentário. Que o interesse das televisões pelo chamado documentário de criação, ou documentário social, ou documentário cinematográfico, é ténue, já se adivinhava. Mas, ao confrontar os agentes televisivos com as suas opções, percebemos então que voltámos à pré-história do documentário - em Portugal.

De que serviram 10 anos de actividade da associação Apordoc e de promoção, debate e divulgação de cinema documental? De que serviram 12 anos de festival da Malaposta, ao longo dos quais Manuel Costa e Silva foi educando um público que não existia e apoiando os criadores nacionais? De que serviram 4 edições cheias de público do festival Doclisboa, mais os pitchings do LisbonDocs, ou a programação de documentários exibidos em espaço próprio na RTP2 por Diana Andringa e Jorge Campos?

A RTP - serviço público - continua alheia à existência de documentários. A RTP2 continua a gabar-se de passar muitos documentários de animais e de "cultura portuguesa", tipo A Alma e a Gente - que são outro tipo de documentário, o chamado "documentário televisivo", com as suas regras próprias, a sua formatação, os seus limites. Mas por que ignora o potencial, o interesse e a existência de outro tipo de filmes? Os documentários - tanto, aliás, como as ficções de longa-metragem que durante anos tiveram espaço privilegiado na RTP2 (lembram-se das "5 noites 5 filmes"?) - desapareceram subitamente com a anterior direcção de Manuel Falcão.

A RTP2 de hoje, com a sobranceria que o seu director de programas Jorge Wemans demonstra na entrevista dada à Docs.pt, nega até a existência documentários portugueses. A pergunta feita pela Docs.pt é claríssima: “Então a RTP não exibe documentários portugueses porque não há?» E a resposta lapidar: «Claro! Pensa-se que há uma produção imensa e que a RTP2 não quer exibir.» Ora é isso mesmo que se pensa o que acontece.

Há muitos documentários em Portugal que a RTP não quer exibir: a maior parte dos documentários de que é co-produtora por via do protocolo de apoio ao cinema português que tem com o ICA. Têm-nos lá, são filmes financiados oficialmente, mas a RTP recusa-se a emiti-los e a devolvê-los à sociedade de onde provêm, que reflectem e a quem se dirigem, impossibilitando o seu escrutínio público, a existências de crítica, de discussão e de vozes diversas no espaço público de televisão (nem que fosse tarde e a más horas!).

Diz Wemans: «Sendo mais claro, eu acho que há documentários de autor que não foram feitos a pensar em televisão e que portanto eu, como programador, acho que não têm lugar na grelha.» E ainda diz: «Eu não tenho nenhum espaço televisivo permanente que corresponda à ideia mais estreita de documentário de autor e nem estou interessado em criá-lo porque acho que ele deve dialogar com outros documentários.» Ora, exactamente, parece-me que a ideia de documentário de Wemans é que é muito estreita e demonstra falta de visão e de conhecimento.

«É verdade que se o documentário de autor me surge como uma proposta em que eu não decidi nada, (...) que foi realizado por quem quis, com o olhar que quis, recorrendo aos financiamentos que pôde, esse documentário tem um espaço mais limitado na RTP2.» Ou seja, Jorge Wemans arroga-se, enquanto director de programas, o papel a ter uma palavra sobre o olhar e a realização de cada filme, recusando-se a entender que documentário-de-autor é realmente de autor, e não de programador. Parece não saber que fazer um documentário é uma actividade que se exerce no campo da liberdade de expressão, tal como um livro, uma crónica ou um debate televisivo. Só a diversidade pode garantir a liberdade de expressão.

Não cabe a um programador impor o seu programa estético e ideológico centralizado, mas dar abertura e espaço a que a diversidade de perspectivas se manifeste e chegue aos seus interlocutores: a sociedade, o público. O programador deve servir o espectador, não enquanto público-alvo, como em publicidade e televisão comercial, mas enquanto sociedade – isso é que é serviço público.

Houve já muitos exemplos de como este tipo de documentário – até pelo seu conteúdo social e humano – encontra boa recepção junto do público e consegue afirmar a sua identidade na criação de novos públicos. Mas a RTP parece não se interessar por essa coisa – que é serviço público – que é criar novos públicos e promover a cultura. Para Wemans, serviço público é “a nossa iniciativa fundamentalmente centrada nos documentários sobre a cultura e património português”, visão tradicional e estreitíssima do conceito de documentário. A televisão portuguesa ainda não passou o cabo Bojador, como diz José Manuel Costa noutro artigo da Docs.pt.

Não te parece, leitor, que a obrigação moral da RTP seria exibir os documentários portugueses e cumprir um serviço público que “se a RTP não fizer, ninguém mais fará” (como diz Leena Pasanen acerca da televisão finlandesa)?

10 junho 2007

Cronograma



O cinema português de ficção consultável num prático cronograma visual em http://www.amordeperdicao.pt/crono_fr.asp .

09 junho 2007

Acontece em Coimbra



Um excelente blogue dirigido por Manuel Portela, acerca das actividades do TAGV: www.blogtagv.blogspot.com.

Na foto: conferência de Alberto Pimenta.

02 junho 2007

A santificação



Manoel de Oliveira será talvez o primeiro realizador a receber tal distinção: "cineasta do Sagrado"*. O júri do Secretariado Católico Para a Cultura destaca os filmes Acto da Primavera, Le Soulier de Satin, O Meu Caso e Palavra e Utopia. Mas outros há, mais iconoclastas talvez - O Passado e o Presente, pela ridicularização do sagrado matrimónio; ou Benilde ou a Virgem Mãe, desfazendo em perversidade o dogma da imaculada concepção; ou O Convento, habitado pela disputa entre Deus e Satanás - que se prestam a leituras ambivalentes, sem deixarem, claro está, de pertencer ao "percurso de um criador extraordinário, que sempre buscou, a partir do elemento espiritual, alargar a reflexão acerca da condição humana".

Como dizia João César Monteiro, "Manuel de Oliveira, no contexto português, faz parte da pequena minoria de cineastas católicos (os outros são Paulo Rocha e, numa escala bem modesta, o autor destas linhas) para quem o acto de filmar implica a consciência de uma transgressão. Filmar é uma violência do olhar, uma profanação do real que tem por objectivo a restituição de uma imagem do sagrado, no sentido que Roger Caillois dá à palavra. Ora essa imagem só pode ser traduzida em termos de arte, no que isso pressupõe de criação profundamente lúdica e profundamente ligada a um carácter religioso e primitivo."** Ou aquilo que o SCPC cita como "a nossa insaciável fome de Deus".***

* Público de 02 Junho 2007, p. 12.
**João César Monteiro, "Um necrofilme português", Diário de Lisboa (Suplemento Literário), 10 Março, 1972, in Morituri te Salutant, ed. &ETC, 1974.

***José Régio