05 dezembro 2005

O que é a escola



A escola é o nosso sistema de reprodução cultural (tal como a família o da reprodução humana). Uma reprodução de saberes, onde cada novo aluno terá que apreender uma súmula do conhecimento humano até à actualidade, começando pela aprendizagem do código de escrita e da matemática, passando pela literatura romântica, a química e a física, a filosofia e a informática. A escola é a instituição que assegura essa reprodução dos conhecimentos, considerados importantes no período de crescimento dos cidadãos.

A família encarrega-se da reprodução dos valores e convicções, mas sem programa definido, por incorporação e mimetismo. A televisão incute os valores da socialização, do lazer e do consumo. Estas duas instituições actuam na reprodução social e ideológica, de formas não-articuladas, não-reflectidas, não-voluntárias, não-responsáveis.

Portanto, a escola é ainda a instituição mais estável, na qual a transmissão de modelos sociais e culturais é definida, objectivada, programada e controlada. Independente das outras instituições e habituada à sua autonomia, a escola depara-se apesar de tudo com a invasão dos problemas gerados pelas outras instituições, a família e os media, para os quais não tem respostas imediatas, mas tem soluções mediatas que resultam da análise das situações conflituosas no seu seio.

A escola, na sua auto-organização perfeita de hierarquias democráticas e baseadas numa premiação do mérito e do esforço, é um microcosmos que difere bastante da sociedade em que se insere, mas no qual se reflectem todos os problemas exteriores, que a escola absorve e para que procura soluções de modo a manter a estabilidade e autoridade da sua missão a nível da reprodução cultural. Por exemplo, com a sua estrutura tutelar, as escola combate as desigualdades sociais, através da uniformização das oportunidade e pela compensação activa dos desequilíbrios, processo inevitavelmente em curso e sempre inacabado.

Este microcosmos é uma espécie de caldo laboratorial da sociedade do futuro. Por isso os filmes sobre escolas se tornam interessantes em termos desse diagnóstico em embrião das tensões exteriores em campo. As crianças e os jovens, na sua espontaneidade, exprimem mais autenticamente as convicções e crenças da cultura viva.

Que seria da nossa sociedade sem escola? Sem governo ainda nos aguentávamos, como se viu durante o directório de Santana. A televisão também não faz falta. Sem ela, seríamos mais alegres e mais livres. Mas a escola? É uma instituição admirável, capaz de conter e dirigir a energia latente de milhares de crianças, organizar durante 12 anos o seu quotidiano e prepará-las para vir a ocupar o seu lugar de adultos renovando sem crises a estrutura social vigente. Quando a escola não consegue fazer esse papel, surgem outros problemas sociais (como em França).

Se a escola não consegue resolvê-los, é porque os problemas vêm do exterior. Mas surge a habitual culpabilização dos professores, bodes expiatórios deste nosso judaísmo recalcado. E não bastando, a sumidade Eduardo Prado Coelho (Público, 25/11/05) ainda vem dizer mal “desses profissionais de uma ciência inexistente a que dão o nome de pedagogia” (por sinal um dos ramos mais activos das ciências sociais e humanas). Pensem duas vezes antes de dizer mal da escola, ou vão para lá fazer melhor.

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