29 outubro 2007

O que é espanhol é lol



Revista Docs, la primera revista de documental en castellano.
Gostava de saber onde é que se pode comprá-la cá.

O que é nacional é mal



Nota final sobre o Doclisboa: a triste constatação da falta de atenção a que os documentários portugueses foram votados na imprensa diária, começando pelo Público, jornal associado ao evento, onde só se escreveu sobre os filmes estrangeiros, como se os filmes portugas não merecessem uma recensãozita, já que crítica nem há, como se pudessem só interessar a outro qualquer público que não o nacional, supostamente tão desinteressado como os jornalistas, o que se tem provado erróneo. A verdade é que este ano as sessões nacionais tiveram bastante menos público do que nos anos anteriores... Nas páginas de roteiro cultural, sim, havia um pequeno anúncio com todas as sessões do dia, mas incomprensivelmente os anúncios de página inteira do festival omitiam sistematicamente as projecções nacionais. Não há maneira de entender isto.

Mea culpa: também eu não escrevi aqui sobre o doc nacional, mas eu não tenho obrigações públicas. Ainda sou do tempo de "o que é nacional é bom". E quero felicitar o Daniel pela sua assídua cobertura do festival.

27 outubro 2007

Documentário político



É certo e aceitável que um festival de documentário – e tendo o mérito de se assumir como político – englobe muitos filmes que devem mais ao seu conteúdo do que devem à arte cinematográfica. Não é de estranhar portanto que tenham sido muitos aqueles que vi de onde parece ter desaparecido qualquer preocupação com o trabalho de câmara. É que hoje qualquer pessoa com acesso a uma câmara barata consegue filmar os temas mais quentes: guerras, prisões, torturas, ditaduras, miséria, escravatura, prostituição, etc.

Porém, a minha insatisfação não advém apenas do uso imponderável e caótico da câmara, mas também da falta de ponderação prévia ou posterior ao momento da filmagem, que se reflecte numa construção ou sequência expositiva aparentemente arbitrária e subordinada a um objectivo meramente mostrativo: vejam o que eu vi. Há filmes onde não encontrei uma intenção e muito menos um olhar. São filmes onde parece que só interessa o que está do lado de lá, e não interessa a mediação que alguém faz. Ora um filme, como qualquer outra forma de comunicação, tem obrigação de ser consciente sobre o seu discurso.

O caso torna-se mais grave quando o documentário quer ser “político” e nesse propósito deve saber assumir uma ética. O filme These Girls, sobre prostitutas adolescentes do Cairo, apresenta cenas fortíssimas e preocupantes. Em várias ocasiões aparece por lá uma espécie de assistente social espontânea, uma mulher caridosa a quem uma das raparigas diz que quer deixar a rua. Imediatamente, o plano é cortado e saltamos para outra situação qualquer. Fica pendente a continuação daquele diálogo: o que lhe terá respondido a amiga? Não é compreensível que a realizadora (que esteve presente no Doclisboa, mas a cujo debate não pude assistir) corte uma cena daquelas sem nos dar a conhecer a resposta, ou a falta de resposta, àquele apelo. Porque o assunto do filme e a sua intenção última não pode ser senão a de que querer salvar aquelas raparigas – independentemente de isso ser ou não ser possível. E como o filme não nos diz se é ou não, presumimos que não. O que é imperdoável é que a questão central seja omitida por um mero corte irresponsável.

These Girls fica-se pelo charme da denúncia e assim percorre os maiores festivais do mundo e dele se dizem coisas incríveis, como que mostra a alegria das jovens prostitutas – as pobres que se drogam com cola para suportarem dormir no meio da rua e sofrerem o estigma que as cicatrizes com que foram marcadas na cara assinalam e as várias violentações de que são alvo. Diz-se ainda que o filme foge ao sentimentalismo e evita as armadilhas da culpa ou da piedade barata. Que ideia é essa de que sentir pena é uma visão adulterada do primeiro mundo? Essa pena dá responsabilidades. Mas a hipocrisia parece mais confortável.

A partir daqui, levantam-se ainda outras questões – que incidem também sobre o excelente e non plus ultra Papel não embrulha brasas de Rithy Panh, um filme de uma delicadeza enorme, feito com prostitutas no Cambodja e encenado já quase como uma ficção, numa linha equiparável à de Pedro Costa. A questão que aqui ponho já não é a da forma ou a da distinção entre o melhor e o pior cinema, mas a questão da relação do realizador ao real que filma. A pergunta é: o que fez a produção destes filmes – o último financiado com dinheiros europeus – para ajudar aquelas raparigas, cuja condição miserável é resultado da pobreza extrema e insuperável. Qualquer filme que se defronte com uma realidade destas tem a obrigação de revelar, dentro do próprio filme, qual o seu compromisso perante essas pessoas que lhe dão a vida. Nenhum deles o faz. Esta falta de ética faz-nos duvidar da sua intenção realmente política: a de ser actuante sobre o mundo.

20 outubro 2007

Documentário de denúncia



El Ejido - A Lei do lucro, de Jawad Rhalib, realizador marroquino, com produção belga, denuncia as condições de vida sub-humana dos trabalhadores magrebinos no sul de Espanha, em estufas de plástico que cobrem completamente a paisagem. A verdade é que o filme deixa muitas questões em aberto - muitas perguntas por responder na cabeça do espectador. E, se é evidente que tem um propósito de denúncia, fica um tanto aquém de politizar o seu assunto - como diz uma agricultora no filme: "aí já entramos em política, disso não quero falar".

É o que de certo modo o realizador faz: fala dos bairros de plástico onde vivem como porcos os imigrantes clandestinos ou não, fala da exploração, fala da segregação social e do racismo, fala da precaridade do vínculo laboral, fala do pagamento à jorna (em valores absolutos 25/30 euros, mas sem relativizar, pois não nos diz qual é o salário mínimo em Espanha), fala de activismo social perseguido (?), fala de agricultura química - só não fala de política, de leis, de medidas e sanções para defender estas pessoas de condições de escravatura.

Uma entrevista com o realizador parece destinar o filme aos marroquinos que ainda não partiram, desiludindo-os acerca do eldorado europeu. Propósito inglório, pois é evidente que o filme não será mostrado em Marrocos... Ora, o debate que este filme lança só pode ser continuado através de outros meios, através da sua emissão e discussão pública - que parece não ter acontecido ainda em Espanha (nem sequer em festivais), onde a recepção prima pelas reacções: La ley del beneficio. Enfado de los agricultores de El Ejido. e Nueva campaña contra El Ejido que desprestigia su modelo de agricultura. O filme tem sido visto noutros países em vários festivais e passou no canal de televisão Arte. Repete no Doclisboa, dia 23, às 20h30 no cinema Londres, e o debate que se lhe segue, com o realizador, poderá esclarecer muitas dúvidas.

19 outubro 2007

Documentário manipulativo



Fala-se muito de ética quando se fala sobre documentário - como ainda ontem a realizadora dinamarquesa Eva Mulvad na discussão do seu filme Enemies of Happiness - e essa ética é referida geralmente às pessoas filmadas. Mas igualmente importante será a ética relativa ao espectador - que evita que um documentário seja manipulativo e dá ao espectador uma prova de confiança. Não é o que encontramos nos dois filmes que ontem abriram o Doclisboa.

Taxi to the Dark Side, de Alex Gibney, é um documentário do mais televisivo que há e altamente manipulativo: frases de poucos segundos retiradas aos intervenientes - que por breves momentos surgem do negro qual oráculos - são montadas fora do seu contexto discursivo - segundo uma narrativa precipitada cuja lógica nos escapa e nos conduz num labirinto argumentativo cujo objectivo não é apelar ao nosso raciocínio (é tudo demasiado rápido) mas às nossas emoções - aliás, ao nosso horror, que ao fim de pouco tempo se naturaliza e começa a aceitar o que antes - verbal e abstractamente - nos parecia intolerável (as torturas exercidas sobre prisioneiros iraquianos) e por via da exposição se torna mais tolerável (pelo menos aos olhos). (Confesso que não aguentei ver o filme até ao fim.)

Além disso, acho nojento o recurso a um género de banda sonora, que não chega a ser música, mas uma espécie de cama harmónica (um tique do actual cinema mainstream) que pretende subliminarmente suscitar emoções no espectador - expectativa, suspense, tristeza, melancolia, resignação, etc.

Apesar de ter achado Enemies of Happiness um filme muito interessante, também não gostei do uso que faz do mesmo tipo de banda sonora, porque é uma forma de hipocrisia o duplo discurso que ostenta: por lado diz ao espectador: olha, vê como é a realidade; por outro, junta-lhe um tempero de emoçõezinhas adequadas à sua cultura americanizada, para o fazer sentir mais intensamente - como se não bastassem as emoções da protagonista, suficientemente interessantes e reveladoras sobre o que é ser mulher afegã. Acho que isto é um desrespeito pelo espectador.
Também não gostei de ver que, quando Malalai pede para não ser filmada, a câmara continue ligada para apanhar as lágrimas furtivas da heroína, garantindo o momento de clímax emocional que todo o cinema comercial almeja. O que mostra uma falta de honestidade fundamental - a de não ter parado de filmar quando a isso foi instado - e a falta de vergonha em mostrar esse desrespeito.

É o estilo documentário de emoção (que é muito cultivado na América e, sim, no cinema dinamarquês). Para mim, é um embuste. São filmes montados a uma cadência a que as muitas perguntas que se podem suscitar na mente do espectador nunca têm respostas. São filmes construídos para evitar que o espectador pense alguma coisa senão o que está previsto. São feitos de forma a anular o pensamento crítico. São filmes anti-pensamento. São manipulativos. São indecentes.

18 outubro 2007

Maratona



Antecipadamente esmagados pela avalanche de documentários que se aproxima, fazem-se as apostas, dão-se palpites e os comentadores apresentam o seu menu à la carte, porque já sabem que, durante a maratona do doclisboa, quase não terão tempo para respirar e muito menos capacidade para reflectir por escrito.

No Expresso (Actual), Sérgio Tréfaut, enquanto programador do festival, escolheu o seu top10. O Público de hoje (P2) apostou noutros tantos filmes de tendência hardcore. Daniel Oliveira fez sua selecção de política quente. André Dias reflecte sobre a angústia da escolha e faz antecipações cegas. O Animatógrafo escolhe 9.

E eu fico-me por uma visão generalista das tendências do documentário nacional contempladas na selecção. Deixo aqui a lista e mais não quero especular, pois antes é preciso ver os filmes. Se estas tendências são representativas, ou não, é o que veremos mais tarde, possivelmente no próximo Panorama. Usando apenas as sinopses como referência, encontrei os seguintes grupos temáticos, do maior para os menores:

13 FILMES DE ARTES & LETRAS

4 sobre escritores:

A Terra Antes do Céu – de João Botelho
19 Out. 21.00 - Cinema Londres (Sala 1)

Sobre o Lado Esquerdo - de Margarida Gil
20 Out. 21.00 - Cinema Londres (Sala 1)

Poeticamente exausto, verticalmente só - de Luísa Marinho
19 Out. 16.30 - Culturgest (Grande Auditório)
21 Out. 16.00 - Cinema Londres (Sala 2)

& etc - de Cláudia Clemente
19 Out. 16.30 - Culturgest (Grande Auditório)
21 Out. 16.00 - Cinema Londres (Sala 2)

3 sobre o trabalho de artistas:

Piccolo Lavoro - de António Nuno Júnior
26 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
24 Out. 20.30 - Cinema Londres (Sala 2)

Blind Runner, An Artist Under Surveillance - de Luís Alves de Matos
26 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
24 Out. 20.30 - Cinema Londres (Sala 2)

Homens que São como Lugares Mal Situados - de João Trabulo
26 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
24 Out. 20.30 - Cinema Londres (Sala 2)

2 filmados nos bastidores de peças de teatro:

Era preciso fazer as coisas - de Margarida Cardoso
22 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

Metamorfoses - de Bruno Cabral
22 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

2 sobre música popular sobrevivente:

Não me Obriguem a Vir para a Rua Gritar - de Rui de Brito
21 Out. 21.00 - Cinema Londres (Sala 1)

Encontros - de Pierre-Marie Goulet
26 Out. 16.30 - Culturgest (Grande Auditório)
24 Out. 16.00 - Cinema Londres (Sala 2)

1 sobre dança:

Outras Frases - de Jorge António
26 Out. 23.00 - Culturgest (Grande Auditório)

1 sobre arquitectura:

Arquitectura de peso - de Edgar Pêra
25 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
22 Out. 16.00 - Cinema Londres (Sala 2)

5 FILMES SOBRE MUNDOS EM VIAS DE EXTINÇÃO

3 sobre pescadores:

Praia de Monte Gordo - de Sofia Trincão e Óscar Clemente
22 Out. 16.30 - Culturgest (Grande Auditório)
24 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

A Casa do Barqueiro - de Jorge Murteira
23 Out. 21.00 - Cinema Londres (Sala 1)

Gentes do mar - de Dânia Filipa Ferreira Lucas
24 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

2 sobre decadência da arquitectura urbana:

Lisboa dentro - de Muriel Jaquerod e Eduardo Saraiva Pereira
25 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
22 Out. 16.00 - Cinema Londres (Sala 2)

Nocturno - de João Nisa
20 Out. 18.15 - Culturgest (Pequeno Auditório)
23 Out. 21.00 - Cinema Londres (Sala 1)

3 HISTÓRICOS

2 sobre África:

As 2 Faces da Guerra - de Diana Andringa e Flora Gomes
19 Out. 23.00 - Culturgest (Grande Auditório)
22 Out. 23.00 - Cinema Londres (Sala 1)

Adeus, até amanhã - de António Escudeiro
21 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
22 Out. 20.30 - Cinema Londres (Sala 2)

e mais 1 sobre arquitectura:

As operações SAAL - de João Dias
23 Out. 16.45 - Culturgest (Grande Auditório)
19 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

2 SOBRE VIDA ACTUAL (e sexualidades)

Convicções - de Julie Frères
20 Out. 16.30 - Culturgest (Grande Auditório)
21 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

Mulheres traídas (making of) - de Miguel Marques
24 Out. 16.30 - Culturgest (Grande Auditório)
23 Out. 16.00 - Cinema Londres (Sala 2)

E 2 OBJECTOS NÃO IDENTIFICADOS (ditos “encomendas”)

La petite fille et le chien vont au bal de la reine - de Ana Margarida Fernandes Gil
24 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
23 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

Jardim - de João Vladimiro
24 Out. 18.30 - Culturgest (Grande Auditório)
23 Out. 14.00 - Cinema Londres (Sala 2)

14 outubro 2007

Hard doc

Se é do documentário actual, ou da programação, ou da promoção, não sei, mas os spots do doclisboa 2007 mostram uma certa tendência hardcore...


05 outubro 2007

Teoria do documentário



Já saiu o número 2 da revista Doc ON-line.

02 outubro 2007

A praga do DVD

«Ao chegar à sala, repara numa série de pessoas a ver televisão através de um projector vídeo. A projecção do filme seguir-se-ia, dizem-lhe. Mas, desconfiado, e não vendo à sua volta equipamento de projecção, o espectador dirige-se à jovem senhora italiana que o tinha anteriormente orientado para a sala. Pergunta-lhe se, por mero acaso, a projecção não será eventualmente em vídeo, quer dizer, pior ainda, de Dvd. A senhora demora um pouco a perceber a questão, como se nunca tivesse reparado na diferença que este espectador, talvez desactualizadamente, tentava estabelecer entre projecção de película e de Dvd. Que sim, que era de Dvd. Ah! O espectador esboça um sorriso, só acessível aos verdadeiramente ociosos, e sugere delicadamente à senhora italiana que talvez não fosse má ideia mencionar no programa, por sinal com uns tons de azul tão bonitos, que a projecção ia ser, precisamente, de Dvd. E que em português havia uma expressão muito gira, talvez a senhora italiana não conhecesse, que é a de «gato por lebre», que podia talvez ser usada para descrever a situação, apesar da generosa entrada gratuita.» (...)

André Dias in http://aindanaocomecamos.blogspot.com/2007/10/em-dvd.html

Eu pensava que as edições de filmes em dvd ou vhs eram exclusivamente para projecção privada, segundo o aviso geralmente constante nas caixas: «Toda a cópia, exibição, aluguer, troca, sub-aluguer, empréstimo, exibição pública, difusão ou emissão são proibidos por lei e farão incorrer em responsabilidade civil e criminal». Enfim, o que seria dos clubes de vídeo...