31 janeiro 2007

Filmes pelo SIM

Hoje, Lisboa: mostra de curta-metragens pelo SIM

Realizadores, actores e técnicos de cinema juntaram-se e criaram filmes de curtíssima duração pelo SIM. Nesta 4ª feira, às 17.30 no Cinema King (sala 2), serão apresentados os trabalhos seguidos de debate com os seus autores e colaboradores.

30 janeiro 2007

A tentação do documento



Excertos da crónica "La tentación del documento" de GONZALO DE PEDRO sobre o IDFA 2006:

«DOCUMENTAL VS DOCUMENTO
Gran parte de los documentales de las diversas subsecciones de la sección oficial se caracterizaron por un descuido formal excesivo, que los directores y el festival excusaban basándose en la “urgencia del testimonio, de la denuncia, del tema”. (...)

Muchas de las películas transmitían la peligrosa sensación de que no había nadie pensando tras la cámara, sólo alguien preocupado por grabar (y no por rodar) lo que tenía delante, sin pararse a pensar cómo enfocar esa realidad, qué implicaciones tiene la presencia de la cámara en esa realidad, y qué papel juega. (...)

LA MORAL DE LAS IMÁGENES VIENE DE RUSIA

En el extremo opuesto a este descuido formal (¿y moral?) está el trabajo de algunos realizadores procedentes de la antigua Unión Soviética, que no sólo son capaces de asimilar su poderosa herencia cinematográfica y documentalista, sino que trabajan en silencio, en los márgenes del género, renovando el cine documental sin ruido y alejándose cada vez más de los estándares oficiales del género. (...)

LA INVASIÓN AMERICANA
El predominio americano, de sobra conocido en el cine de ficción, tiene su reflejo en el género documental, y bastaba con mirar el catálogo del festival para darse cuenta: de los más casi trescientos filmes de todo el festival, cuarenta y nueve eran de origen estadounidense. (...)»

Continuar a ler em http://www.blogsandocs.com/docs/?p=45

28 janeiro 2007

O cinema e o capital



“Visto um filme americano - estão vistos todos os outros. O mesmo fundo moral, a intriga anterior ligeiramente disfarçada; os artistas parecem todos gémeos, de igual estatura e com traços semelhantes, actuando sempre do mesmo modo. Tudo aquilo é em série: argumentos, realizações, processos, artistas, etc...

Quando um filme é um sucesso de bilheteira serve de modelo para dezenas de filmes semelhantes. Tal qual como na indústria de automóveis; depois de se ter estudado um tipo de carro, é reproduzido em série aos milhares.

Traíram os fins humanos, sociais e educativos duma arte utilizando os seus meios para simples especulação comercial, imprimindo no celulóide vida falsificada nos estúdios, a qual é tão funesta ao espírito e à cultura dum povo como o azeite falsificado pelo merceeiro o é ao estômago daqueles que inconscientemente o ingerem. (...)

Em vez de se estudarem temas humanos, escolhendo depois os intérpretes segundo as exigências desses temas, escrevem-se e adaptam-se histórias de propósito para esta ou aquela artista, de maneira a pôr em evidência toda a sua beleza física e todo o seu “sex-appeal”. (...)

Sendo o cinema, de todas as artes, a que maior e mais influência exerce sobre a mentalidade popular, sucede que se parte da falsa e criminosa opinião de que o espectador nada mais necessita e deseja do que saborear por um preço mínimo e confortavelmente instalado na sua cadeira, um espectáculo alegre e divertido que lhe faça esquecer as canseiras e dissabores de uma vida extenuante. E o público esquece que a sua vida é atribulada por uma péssima organização social e económica, aceitando por uma cómoda e grosseira cobardia aquela aviltante compensação que lhe oferecem.

Ora o cinema precisamente poderia, como nenhuma outra arte, apontar esses males e as suas consequências quando mais não fosse tomando como temas dominantes os múltiplos problemas que o homem defronta na sua vida sexual, na sua vida familiar, na sua vida profissional, na sua vida económica e na sua vida social. (...) »

Manoel de Oliveira, "O cinema e o capital" in revista Movimento, nº7 de 1 de Outubro de 1933
(Foto: Oliveira e José Régio)

26 janeiro 2007

E agora para algo completamente diferente



Gato Fedorento no Prós e Contras (no You Tube).

A minha actividade de campanha prossegue no Sim no referendo e aqui voltarei à cinefilia.

24 janeiro 2007

Pelo sim, pelo não



O movimento pelo Não atola-se cada vez mais na contradição das suas afirmações; depois de Marques Mendes, Marcelo e César das Neves, é Maria do Rosário Carneiro (deputada católica do PS, dita independente) que defende a despenalização, mas quer votar Não.

A contradição está cada vez mais explícita: "É muito curto que a simples vontade de uma pessoa possa depender da vontade de outra", diz M. Rosário Carneiro, querendo com isto significar que há uma vida que decide sobre a outra. E para os do Não, decide o embrião. Ora o mesmo argumento invertido é o que defendemos: para nós, decide a mulher.

E como realmente o embrião, como toda a gente sabe, não decide nada, o que eles querem é que a lei decida da vida de cada mulher. Em nome do embrião. E vêm novamente prometer aquilo que nunca antes os católicos do PS e do PSD fizeram, nos 9 anos desde o anterior referendo: propor “um anteprojecto de lei no sentido de não criminalizar mulheres que tenham feito abortos clandestinos”. Dá vontade de rir.

Não sei se neste atoleiro de duas causas inconciliáveis, os do Não estão involuntariamente a fazer campanha pelo Sim, ou se, pelo contrário, isso não é uma estratégia de captação dos votantes indecisos apelando àquilo que afinal é consensual: a despenalização das mulheres.

(Recorte do Público de 24-01-2007)

23 janeiro 2007

Duas causas (2)



Divididos entre duas causas está um séquito de pessoas confusas que diz Nim, ou seja, vota com uma opinião dividida ou nem sequer irá votar, por não saber resolver as suas contradições. É o caso de Marques Mendes, que, tal como o herói do filme de há cinquenta anos, é contra o aborto e é contra a prisão:

«É certo que se pode verificar um conflito de interesses entre o seu [do feto] direito à vida e o direito da mulher à sua autonomia, princípio que também merece o meu apoio. (Muito bem dito.) De facto, não se pode contestar o direito da mulher a só conceber um filho se e quando o desejar, usando da sua plena liberdade e utilizando os métodos anticoncepcionais que entender. Só que esta escolha tem de ser feita, responsavelmente, antes da concepção livre de um novo ser

Ora aí está uma escolha que é tanto responsabilidade das mulheres como dos homens. E continua: «Mas, fora das situações que a lei já consagra, o direito da mulher à sua liberdade de escolha termina quando começa o direito à vida de um novo ser humano.»

Finalmente, está aqui dito, com todas as letras: o direito da mulher à sua liberdade termina quando começa o direito à vida do embrião. É claro como a água. A liberdade da mulher acabou quando engravida. A vida da mulher conta menos que a do embrião. E mesmo que ela tenha outros planos para a vida (planos comuns, como estudar ou trabalhar), mesmo que saiba (por razões que só ela pode saber) que não tem condições para ter um filho desejado e bem tratado, esse embrião tem primazia e a sua vida incipiente é mais importante que a da mulher. Apetece perguntar onde é que o senhor Marques Mendes acha que acaba a liberdade do homem que lhe fez o embrião.

Outro argumento que usa é o de que segundo a constituição (artigo 24.º) “A vida humana é inviolável.” Mas a constituição não define o que é uma vida humana, nem estabelece o seu início, podendo mesmo presumir-se que seja o nascimento, já que não prevê o caso de duas vidas existirem no mesmo corpo. É possível a uma lei violar a vida humana de uma mulher para lhe impôr a carga obrigatória de criar uma outra vida? Achará ele que o valor das vidas humanas é absoluto e independente dos seus sentimentos, dos seus sofrimentos, da sua qualidade de vida? Se eu fosse do Não, defenderia então trabalhos forçados para os homens que se descuidaram.

Continua o presidente do PSD: «Coisa diferente é saber se, nestes casos, a pena de prisão é correcta. Não fujo, também, a esta questão e repito o que já antes afirmei: não sou favorável à pena de prisão para a mulher que decide abortar, seja antes ou depois das 10 semanas de gravidez

Ora aí estão as duas causas. Então se é contra a prisão, devia votar Sim à despenalização. Mas vota Não, porque acha mal que se aborte. As duas causas são incompatíveis, mas ele explica que é uma questão de a lei não facilitar:

«Consagrando-a, ela traduzirá um sinal de facilidade, não uma ideia de responsabilidade É como aqueles pais que ameaçam "se te portas mal, castigo-te" e depois não castigam nada, é só para ir avisando, para os miúdos saberem quem manda, percebendo estes perfeitamente que é tudo a fingir. Pelo sim, pelo não, ele diz que Não.

É realmente muito difícil deslindar os paradoxos do Não, mas há mais quem se esforce... E o adeptos das duas causas crescem: agora também o abominável homem das Neves e professor Martelo.

Apesar das contradições, é para eles muito fácil decidir. É uma questão meramente filosófica - o valor da vida em abstracto - que se resolve como uma equação absoluta: 1+1=2. A questão do sofrimento não existe. Não conta o sofrimento da mulher, não conta a sua angústia, nem conta que o tal embrião não sofra nadinha com a IVG nem tenha o sistema nervoso desenvolvido e sinta tanto como uma borbulha (que só dói a quem a possui). Nem conta que ele venha a ser um infeliz, um abandonado, um maltratado ou um mal-amado. É um pedaço de vida. E a vida é para sofrer. Ter filhos não custa nada às mulheres. Será precisamente para isso que elas existem.

Que interessa a Mulher? Se as mulheres teriam alma era uma dúvida medieval. Os teólogos descobriram mais tarde que sim. Depois achava-se que eram os negros que não tinham alma. Outros há que defendem que os cães ou as vacas como sofrem têm alma e não querem matá-los. Agora um embrião, não me venham dizer que tem alma. Nem que sofre. Mais sofre uma mosca.

P.S. Fala-se frequentemente em feto, mas devia falar-se apenas de embriões. Clinicamente o embrião passa a chamar-se feto depois da décima semana. Aliás não tem sido contestada a questão dos embriões excedentários congelados nos processos de fertilização in vitro e reprodução medicamente assistida, aqueles que ficam de reserva para o caso de os outros não pegarem e que, consoante a vontade do casal, hão-de ser desmanchados se não forem usados para experiências científicas. São tão embriões como todos os outros, mas como não estão na barriga das mulheres, como ainda não são parasitas, talvez não pareçam assim ter tanta vida, não é? Nem têm os mesmos "direitos".

Desenho de Alice Geirinhas.

22 janeiro 2007

Duas causas



Duas Causas é um filme de 1952, do realizador Henrique Campos, que põe em evidência o problema do aborto naquela época. É uma história de família pequeno-burguesa preocupada em casar bem a filha crescida e encaminhar o filho estudante de direito, família que inclui ainda uma rapariga enjeitada, humildemente grata por ser protegida e tratada carinhosamente "como se fosse da família", e por quem se enamora o rapaz, um tanto estouvado, que logo a desdenha, enquanto procura casamento mais conveniente, para subir de classe...

Entretanto, como ficou grávida, a "ingénua" (personagem-tipo do cinema dessa época) vai ter que abandonar a casa, para não envergonhar a família. O pater familias fica furioso com o canalha que desonrou a menina, sem suspeitar que era o seu próprio filho, o que ela também nunca revela, assumindo a desonra sozinha.

O rapaz entretanto defende a sua primeira causa em tribunal: a de uma rapariga que tentou sem sucesso interromper uma gravidez, ou seja, atentou contra o filho que traz em si e vai ser julgada por isso. Como advogado defende que não é ela a culpada mas o sim o homem cobarde que a abandonou naquele estado e a deixou desesperada e sem ter como sustentar a futura criança. A sua eloquência comove todo o auditório e consegue suscitar o arrependimento do homem, presente na plateia, que assume a culpa e promete casar com a mulher.

Depois de muito felicitado por todos e recebendo os agradecimentos do casal reconciliado, o herói dá-se conta da contradição entre a causa alheia que defendeu e o seu próprio egoísmo, e os remorsos levam-no a casar com a namorada grávida. É uma reconversão quase artificial, porque a contradição interna é meramente esquemática, mas tem uma função ideológica aqui: sanar a "dialéctica" masculina entre a fuga e o dever, se tudo entrar na ordem estabelecida e reconhecida do casamento. O que foi abuso, desonestidade, arrivismo ou hipocrisia, tudo isso se resolve desde que as personagens aceitem o seu lugar na sociedade.

O filme não pretende apresentar um problema, nem evidenciar as contradições interiores das personagens, pretende apenas apresentar o casamento como solução óbvia para o problema da gravidez, mandando o espectador para casa com as certezas no lugar. A asneira é bem tolerada, desde que aconteça dentro da ordem social.

Hoje, que o casamento já não é um imperativo social, ser mãe solteira já não é um estigma (como ainda há 30 anos), deixou de haver filhos “naturais” e o divórcio é frequente, na questão do aborto continua a responsabilizar-se moralmente a mulher, esquecendo-se que há por certo um homem também responsável, já não pela desonra, mas pela “falta de cuidado” e frequentes vezes pelo desinteresse que demonstra pelo produto “vivo” dessa sua inconsciência, fraqueza ou deslize. É o caso, de que tanto se fala, do tal pai biológico que acordou tarde de mais para a criança que não queria, e que só depois decidiu reclamar...

Em 50 anos mudou muita coisa: as mulheres são livres e independentes, já ninguém espera a tutela dos homens, facilitando-se a desresponsabilização masculina em relação à procriação natural, embora haja por lei averiguações de paternidade. Mas mantém-se igual a penalização criminal do aborto centrada nas mulheres, sobre quem recai toda a culpabilidade. É isso que falta mudar.

17 janeiro 2007

A culpa



Não há nada como os blogues para mostrar o que vai na alma das pessoas. Começo a perceber melhor a problemática do lado do Não. O problema principal deles não vem de serem castigadores, ou machistas, ou hipócritas, ou natalistas. Nem é o problema da “vida”. É uma questão muito maior: a culpabilização.

«O que incomoda quem anda a fazer campanha pelo NÃO não é a prática do aborto, apenas a sua legalização. (...) Claro que estas pessoas acham legítimo que se pratique o aborto, o que não acham legítimo é que seja legalizado, que seja socialmente aceite, que deixe de ser feito às escondidas».

Como explica em entrevista Monsenhor Luciano Guerra, reitor do santuário de Fátima: «- É a favor ou contra a penalização? - Sou a favor e não sou a favor. Em princípio, entendo que todo o mal tem uma pena, a começar pela própria família, até para correcção do mal. Mas, às vezes pode haver atenuantes, por exemplo, se houver arrependimento

Portanto: «A pílula do dia seguinte. Para um crente, o seu uso consubstancia um pecado, a ser resolvido ou não – segundo a liberdade de cada um – em confissão. (15-1-2007)

« - Um crente que pratica o aborto não pode ser absolvido? - Quem teve uma fraqueza e se arrepender é objecto da misericórdia divina. Mas a Igreja é bastante dura e o Direito Canónico excomunga essa pessoa. A pessoa faz um aborto em plena consciência de que está a fazer um mal

Faz o que eu digo, não faças o que eu faço: «Pois eu sou completamente contra o aborto; eu própria até já abortei uma vez, mas vou votar "não".»

É claro que esta frase é incompreensível para aquelas pessoas que julgam que os actos tem que estar de acordo com as convicções: "Nem vale a pena comentar nem a hipocrisia nem a imbecilidade desta posição" (15-1-2007) .

Mas os outros alvitram: «Acaso você nunca excedeu o limite de velocidade na estrada? E que votaria agora num referendo sobre o assunto?» (Comentário no Random Precision)

Para o bom católico, há liberdade na medida em que as pessoas são livres de pecar na sua consciência. Mas as regras morais devem ser estritas, para que aquele que peca se sinta culpado e pague por isso. Para os católicos, as leis servem para dar má consciência. Mas nada impede que se aborte, ou se use preservativo, ou se mate, tudo é igual, mas tudo é perdoável.

«Se «o aborto é uma questão de consciência», como afirmam estes dignitários católicos, algo que pertence ao «campo da liberdade pessoal e da consciência» acrescenta Policarpo, porque razão a Igreja se acha com legitimidade para negar à mulher quer a liberdade pessoal quer o direito à liberdade de consciência?» (in Diário Ateísta)

Eles acham que abortar é errado. Logo, quem o pratica tem de sofrer, na carne, na dificuldade, na maquia que paga, e na culpabilização, para não acharem todos que é muito fácil fazer asneiras. Todos são livres de errar, mas há que sofrer. Para haver arrependimento (e avé-marias).

O que eles querem - já que só a culpa sustém os católicos de fazerem mais asneiras do que já fazem - é que não venham agora os ateus dizer (e legislar) que não há culpa, que não é crime, e lá ficam eles com uma culpa impossível de condenar...

(Imagem sacada do google)

16 janeiro 2007

Os atávicos



Não há nada como os blogues para mostrar o que vai na alma das pessoas. Por exemplo, a demonstração pura do medo masculino da incerteza da paternidade, que o leva a querer dominar - desde sempre - o corpo das mulheres, e particularmente o da sua.

A angústia do corno no momento do referendo é esse caso: «No caso do sim ganhar, uma mulher casada pode fazer um aborto sem o conhecimento ou sem o consentimento do marido?» «A dúvida não era como poderia o pai evitar o aborto, mas sim se a mãe seria responsabilizada perante a lei pelo seu acto sem o acordo do marido, por exemplo pelas obrigações decorrentes do contrato matrimonial.»

Para estas almas, o casamento é um vínculo que obriga a mulher a depender das autorizações do marido (como antigamente para ir ao estrangeiro, talvez para evitar uma ida a Badajoz...).

Para reorientar o debate, proponho que voltemos a discutir o problema da alma. As mulheres têm alma? Os embriões têm alma? Quem tem mais alma?

(Imagem sacada do google.)

15 janeiro 2007

O slogan dúbio



Um slogan aparentemente tão simples que tem duas (ou mais) respostas possíveis, nenhuma delas óbvia, todas retorcidas: quem responde Sim, apoia o Não; e quem diz Não, vota Sim ou... Não.

Pergunta - Abstenção para manter a prisão?
Resposta A - Sim, não votar para manter a prisão - para ganhar o Não.
Resposta B - Não, votar para não manter a prisão - votar Sim.
Resposta C - Não, votar sim, mas para manter a prisão - votar Não.

Este slogan é o espelho perfeito da indefinição política do partido socialista. Um slogan polissémico que cada um lê como quer, um slogan para espalhar a confusão total. Tal é a indecisão que, ainda por cima, não afirma, pergunta. E passa a mensagem errada (ou certa?): reforça a ideia de abstenção como possibilidade de tomar posição; reforça a ideia conservadora de manter, e ainda reforça a ideia de castigo (que muitos aprovam): a prisão.

A pergunta directa e inequívoca seria:

P - Votar para acabar com a prisão?
R 1 - Não, não votar, para não acabar com a prisão.
R 2 - Sim, votar, para acabar com a prisão.

Mas o slogan teria que ser afirmativo: Votar SIM para acabar com a prisão.


O slogan irmão é igualmente mau e errado, pelas mesmas razões:



Melhor seria: Votar para pôr fim à clandestinidade.

Incompetência ou ubiquidade? É caso para lhe chamar uma anti-campanha.

13 janeiro 2007

Sim, obrigada



Sim, as pessoas que defendem o Não são como carrascos. Estão prontas a condenar sem conhecer as vítimas, nem saber as causas. São pessoínhas intolerantes, moralistas e castigadoras que acham ainda que podem impôr aos outros/e às outras "valores que em princípio são universais" (como diz um anónimo cobarde no post abaixo citado) - mesmo se não o são para os outros. (Vá-se lá explicar-lhes que por isso mesmo não são universais... É que não entendem.)

Apesar de todas as nuances e combinatórias com que se definem os apoiantes do Sim e do Não e da argumentação ambivalente em torno de questões acessórias - liberar, mas não pagar; abortar não, mas só se; penalizar mas não prender; mais um dia menos um dia; clínicas ou hospitais; juramento de Hipócrates ou hipocrisia, etc. - só há duas opções no boletim de voto.

E entre essas duas opções de voto há uma só diferença fundamental: "No referendo sobre a IVG, o campo do Não quer impor os seus valores a todas as pessoas. O campo do Sim acha que são as pessoas que tomam decisões sobre as suas vidas. A importância simbólica do referendo reside aqui: divide as águas quanto à noção de liberdade e fá-lo de maneira radical justamente por remeter para o universo do corpo, da sexualidade, da reprodução, do género - aquele onde é mais viva a batalha entre a prisão (da "natureza" e da tradição) e a liberdade (da cultura e da invenção)" (de Os tempos que correm).

E aqui é que entra a "igualdade de género": é que dificilmente um embrião pode ser feito sem a colaboração, a conivência e a responsabilidade de dois: um homem e uma mulher. A igualdade está na liberdade de escolha. E na possibilidade de uma decisão conjunta. Quando não há acordo, há desigualdade e quem a sofre é a mulher. O corpo é dela. E é sua a última decisão. A desigualdade está na tomada de decisão, que é precisamente individual.

A desigualdade de género passa por aceitarem os homens que nunca hão-de ser mães. E por aceitarem que ser mãe é um acto de liberdade, que inclui o direito a procriar mesmo sem a sua concordância e o direito a abortar mesmo a sua autorização. Eu entendo que custa. Mas é assim mesmo. (Ser pai é uma coisa que se decide na fase anterior.)

Há que aceitar esta igual desigualdade. Ou persistir nos valores machistas que perpetuam a repressão milenar sobre a vida, o corpo e a liberdade das mulheres - exactamente com o único propósito de controlar a sua fecundidade.

12 janeiro 2007

Abismo azul



Achei óptima a exposição do Amadeo, muito lúcida e elucidativa na disposição dos núcleos de obras e na sua relação visual com obras de outros contemporâneos. Muito completa, muito inteligível. Esperei só meia hora porque fui cedo (mas às 11h já a fila ia no piso de baixo). Todo aquele movimento de gente, excursões de adolescentes e de ingleses, tanta gente, fez-me lembrar a deliciosa sequência inicial - o buliço da inauguração - do filme de Paulo Rocha, Máscara de Aço contra Abismo Azul, sobre a anterior exposição de Amadeo (circa 1988), com os fragmentos de conversas desconcertadas que se ouvem por entre as pinturas fugidias e os casacões soturnos: "Não há pachorra [para estar na bicha]... Puseram a moldura saliente... Vejam as cores quentes e as cores frias... A minha mãe ficou no impressionismo... Isto que aqui vêem é o abstraccionismo... As cores vivas não têm que ser agressivas..."

Não resisti a sacar, mais uma vez do Ultraperiférico, a imagem acima, uma das fotografias experimentais de Amadeo (que não estão na exposição), embora discorde da atitude fundamental de que "há críticas que podem e devem fazer-se ". Talvez não.

11 janeiro 2007

Almada e Amadeo


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90 anos depois, ainda não consegui ver a exposição, tais são as monstruosas filas.

Imagem retirada de Ultraperiférico.

10 janeiro 2007

A memória



"A única coisa verdadeira é a memória".
Manoel de Oliveira em Lisbon Story (1994) de Wim Wenders (aka Viagem a Lisboa; aka O Céu de Lisboa) .

09 janeiro 2007

Borat – na tradição do cómico



a) Ele cumpre a gramática do humor tal como ficou estabelecida na idade do ouro – o primeiro quartel do século XX, com Buster Keaton, Harold Lloyd, Chaplin, etc. Poderia dar dezenas de exemplos, mas fico-me por um: o filme cómico devia fazer-nos rir até às lágrimas durante dois terços do filme mas, em dois ou três momentos e, sobretudo no final, devia comover-nos, suscitando eventualmente lágrimas que nós disfarçávamos com um sorriso. Chaplin fazia isto magistralmente – Woody Allen, nos seus primeiros filmes cómicos, também. E Buster Keaton é Deus.

b) Quando Borat ataca “toda a gente” está, reconheço e faz-me recear o pior, a incorrer no risco “burguês” do niilismo. Ou, embora menos, noutro tipo de niilismo, o aristocrático: gozamos com todos, “because we can”, porque todos nos são inferiores. Mas quando mostra de que lado está – a prostituta sulista é ali uma encarnação do povo, ou, se preferirmos, da Zéza Povinho – deixa de ser niilista, para passar a ser construtivo, positivo. E, se ninguém se ofender por eu dizer isto, até moral.

c) Há um sábio equilíbrio entre grandes episódios, alguns fortíssimos, outros surpreendentemente poéticos, e o fio narrativo. Até nisso o filme é bom: consegue, a partir de um material muito variado (aposto que deixaram litros e litros de cenas pelo chão da sala de montagem, e alguns deve ter-lhes doído deixar de fora), ter um mínimo decente de compostura narrativa.

d) Episódios poéticos? A visita à casa do Judeu, onde todo o delírio depende do trabalho dos protagonistas, e não da reacção dos involuntários às suas provocações. O medo do Judeu da personagem Borat roça o infantil e por isso não nos horroriza tanto como, se o levássemos a sério, deveria fazer. E esse é o génio do seu criador: o anti-semitismo e machismo alarves não nos fazem odiá-lo, porque ele os “pratica” com a inocência de quem não sabe o que diz. E acho que Jesus já tinha uma frase a respeito disso, era algo como “Pai, perdoa-lhes...”

e) Outro momento revelador é o reencontro entre Borat e o seu produtor, que está em Los Angeles a ganhar a vida, mascarado de palhaço. Ora o palhaço é, para alguns amantes da provocação, da performance e do humor não-gargarejável, o símbolo máximo desta Grande Arte que é o cómico de implicações trágicas.

f) Claro que Borat roça o mau gosto! Pode-se lá viver sem roçar o mau gosto! A alternativa era fazer o mesmo que a França nos anos 80 fez ao punk inglês: embalsamou-o, tornou-o decorativo, sofisticado, fútil, inútil.

g) Acontece que, em Portugal, até os anglófilos têm tendência a ser decorativos, sofisticados, fúteis, inúteis...

h) A cena do rodeo é espantosa. A piadola em si seria banal se fosse feita com rede. Mas essa é a diferença entre a performance, para um público cúmplice, e o happening, em que o público não sabe sequer que é público – nem de que está a ser público.

i) Com quem está Borat a gozar? Bem, o próprio Sacha Cohen explica: não é com o Cazaquistão, é com os americanos. E aqui uma vez mais limita-se (no bom sentido do verbo limitar) a aplicar à letra a cartilha que tanto Buster Keaton como Chaplin ou mesmo Laurel & Hardy tão bem cristalizaram: um pobre diabo, um pequeno soldado Schweik, ao qual acontecem coisas, malentendidos, desaires e que, precisamente por ser um “ingénuo de coração puro”, consegue passar pelo fogo sem se queimar.

j) Gil Vicente disse isto de outra maneira, da mesma maneira, no Auto da Barca do Inferno. Ao contrário do fidalgo e da alcoviteira, o néscio Joane vai mesmo para a barca do Céu porque, embora seja grotesco e malcriado – “Caganita de coelho! Pelourinho da Pampulha! Mija n’agulha! Mija n’agulha”, etc. – tem o coração no sítio certo. À esquerda, exactamente no local onde (segundo a lenda) até Paulo Portas tem esse simpático órgão.
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Rui Zink

08 janeiro 2007

Clarke e Ghobadi



The Cool World (1963), de Shirley Clarke, filmado no Harlem, NY (visto na Cinemateca, em 6-1-2007).
Turtles Can Fly (2005)/As tartarugas também voam, de Bahman Ghobadi, filmado no Iraque (em exibição no Nimas, em Lisboa).

07 janeiro 2007

Os moralistas (3)



His master's voice, Alberto Pimenta, 1971.

06 janeiro 2007

Os moralistas (2)



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A Sra. D. Matilde Sousa Franco (do PS) acha que deve combater aquilo que ela chama "bomba-relógio demográfica" com a pena de maternidade para quem engravidar. Assim é contra a despenalização do aborto até às 10 semanas, o que considera uma liberalização, como se cada mulher se apropriasse dos seus meios de produção e os privatizasse. Para ela, a produção de bebés não deve ser deixada à iniciativa individual, pois o estado-nação-sociedade precisa de novos seres e, como os incentivos que há aparentemente não chegam, é preciso evitar desperdícios.
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Mais grave é a demagogia dos seus argumentos: falar em problema demográfico invocando a Comissão Europeia é uma distorção do argumento de autoridade; tanto mais que a recomendação europeia quanto à IVG é contrária às suas convicções; dizer que o aborto aumentou em todos os países onde foi permitido é uma mentira redonda; dizer que "mais de 80% das mulheres que abortaram não o teriam feito se tivessem o apoio familiar e da sociedade" é inventar dados e ignorar o estudo mais recente encomendado pela APF, de que retiro o gráfico abaixo:



Será que a deputada pretende tornar a vida ainda mais difícil às (outras) mulheres e aos embriões que hão-de ser filhos indesejados à força? Pretende ignorar os números do aborto clandestino? Não sabe ela que, mesmo contra a lei, cada uma faz o que entende? Ignora o que é o livre arbítrio?
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Má sorte nascer mulher.

05 janeiro 2007

Os moralistas (1)



Rusga identifica centena e meia de clientes e alternadeiras

"As 32 mulheres foram para a esquadra, «numa carrinha onde tínhamos que ir umas em cima das outras», onde foram revistadas, até à exaustão. «Fomos obrigadas as despir e até as cuecas tivemos que tirar», afirmam. «Somos portuguesas, temos documentos, o que viemos aqui fazer?», questionou Sandra, de 28 anos. «Ainda por cima tivemos que ouvir comentários jocosos e obscenos», afirma. «Isto não tem lógica, é uma humilhação», afirmou ao Diário de Aveiro Patrícia, de 25 anos, que «nunca tinha passado por uma situação destas»." (31-12-2006)

Via A Ilusão da Visão:

"Quer se queira ou não a prostituição não constitui crime em Portugal. As mulheres (excepto uma) eram portuguesas ou estrangeiras em situação legal, tendo esta situação sido logo confirmada no local.Sob a nova lei das armas revistaram-nas despindo-as completamente, incluindo as cuecas! Querem-me dizer que qualquer outro cidadão ao ser revistado sob a lei das armas também é despido na integra!?Dizem que as levaram para a esquadra porque o computador não funcionava ali e foi para ver se tinham algum processo pendente! Mas sob que suspeita o fizeram? Qualquer outro cidadão, sem que lhe recaia alguma suspeita da prática de algum crime, pode ser arbitrariamente levado para a esquadra para averiguar se tem algum processo pendente?Para mais tudo acontece na semana em que o Governo dá instruções para que as alternadeiras/prostitutas brasileiras em situação ilegal não sejam detidas se preencherem um formulário a explicar como chegaram a Portugal, de forma a combater o tráfico humano.Todos os acontecimentos relatados na noticia só ocorreram dada a condição social das alternadeiras. Clara discriminação e violação da dignidade humana."

Má sorte nascer mulher.

04 janeiro 2007

Cenas políticas



O António Maria, nº2, 1879, revista facsimilada online na Hemeroteca Municipal de Lisboa.

HIV e Não



Vírus da SIDA; Vírus do Não.

03 janeiro 2007

Felizes e Companhia



Felizes da Fé, Manifestação contra o fim do mês, Lisboa, 1986; Manifestação contra o fim do ano, Nantes, 2006.

02 janeiro 2007

Oliveira e Oliveira



Douro, faina fluvial (1931); Acto da Primavera (1963); Manoel de Oliveira.

01 janeiro 2007

Hatherly e Deleuze



Ana Hatherly; Gilles Deleuze.