30 setembro 2005

A não-inscrição

Ainda estou chocada por o meu documentário não ter sido aceite no DocLisboa, apesar de terem passado umas semanas desde que o soube. Não julgo que o meu filme fosse melhor que os demais escolhidos, mas creio que a sua oportunidade hic et nunc seria a melhor razão para não ter sido posto de lado. Foi uma oportunidade perdida para que um público alargado e heterogéneo pudesse ver e reflectir sobre um assunto de que se fala tanto desde há meses: a educação sexual nas escolas. Que o comité de selecção tenha descartado este filme, parece-me um erro enorme e uma injustiça – para com o público.

Não quero mostrar o meu filme por afirmação pessoal. Para mim, fazer documentários é um acto altruísta dirigido aos outros com interesse e dedicação. Os 50 ou 60 realizadores cujos filmes foram rejeitados sentirão possivelmente o mesmo. Mas não posso eu falar por eles. Nem posso sequer comparar-me aos que foram seleccionados. Quando se faz um filme, acredita-se nele. Se não se acreditasse, não seria possível arrostar as sucessivas dificuldades e esforços a que ele obriga. E ele obriga-me a defendê-lo até que outros o possam ver.

Nada no meu trabalho é arbitrário (embora beneficie às vezes de algumas casualidades). Pesquisei e escrevi várias vezes este projecto de filme, fui a dois concursos do ICAM, concorri a pitchings e instituições, filmei por iniciativa própria, ganhei um apoio financeiro, prestei contas rigorosas e falta-me mostrar o que fiz. Quem deve julgar é o público, não uns iluminados por ele.
Assim, considero que o trabalho de um júri de pré-selecção - que nem sequer se assume nominalmente – também não pode ser arbitrário. Deve ser justificado e público. Porque é muito maior a responsabilidade de excluir filmes que a de premiá-los entre uma dúzia de escolhidos.

A pergunta “para onde vai o documentário português?”, que intitula a secção de filmes portugueses do DocLisboa, soa-me retórica ou pretensiosa. Que suposto rumo é esse que será dado a ver? Que critérios orientaram uma selecção tão estreita e justificaram a exclusão dos demais filmes? Um critério de representatividade? Um critério estético? Político? Subjectivo? Quem definiu e ponderou sobre os caminhos do documentário actual? A direcção do festival e os seleccionadores nacionais têm a obrigação de justificar as suas opções perante o público e os financiadores públicos.

Afortunadamente, a mesma Apordoc (que organiza o DocLisboa) teve a iniciativa de criar uma outra mostra de documentário nacional – o Panorama – que promete no mínimo mostrar o refugo do DocLisboa. Muitos filmes poderão sair da invisibilidade, que é o seu maior drama. Porque o objectivo primeiro de qualquer filme é ser visto.

Recebi entretanto avisos sobre as inscrições para o Panorama, um deles dirigido nominalmente e pedindo-me filmes específicos de acordo com as informações disponíveis no ICAM. Só estranhei duas coisas. Primeiro: se lá na Apordoc já têm cassetes de 2 filmes meus recusados nos DocLisboas, terei que enviá-los de novo? Segundo: porque é que um convite individualizado não vem assinado? Quem se responsabilizará pela próxima selecção? Quem não prestará contas? Quem dirige? Os mesmos, outros? Não se sabe, visto que não se assinam, o que eu acho extraordinário. Tratam-se a si mesmos como instituição ou escondem-se atrás dela?

29 setembro 2005

Sexualidade e cinema


Por falar em tabus, chegou-me por email a informação sobre este ciclo de cinema na Universidade Lusófona, ao Campo Grande, a partir de 12 de Outubro.
Organização da Videoteca de Lisboa.

A realidade inverosímil


O meu interesse maior pelo documentário vem da noção de que muitas vezes a realidade ultrapassa a ficção. A realidade é múltipla, polimórfica, a várias vozes. A ficção é pessoal e unívoca. A realidade é muito mais equívoca. Mas, tal como o feitiço e o feiticeiro, às vezes a verdade vira-se contra o verdadeiro e o real contra o realizador.

O meu último filme, que só alguns ainda viram, tem provocado nos seus poucos espectadores uma dúvida incontornável. É que há cenas que, por parecerem inverosímeis, custa às pessoas aceitar que são reais. Custa-lhes pelo menos não ficar na dúvida, quando vêem aparecer um coquetel completamente banhado em luz vermelha e a música captada directamente a parecer posta de propósito para genérico do filme. Também noutras cenas de escola, a música parece escolhida para comentar as situações, mas ela foi simplesmente a selecção musical que os alunos fizeram naquele momento.

Creio mesmo que foi esse equívoco estilístico que motivou a recusa do meu documentário Doutor Estranho Amor no DocLisboa 2005. Também esta notícia foi para mim inverosímil e não consigo ainda compreender por que o excluíram, pois, embora saiba que a selecção está condicionada a um calendário limitado, o meu filme tem tudo para ser oportuno e bem aceite.

É o primeiro documentário feito em Portugal sobre o tema da educação sexual, que muita polémica tem alimentado nos últimos meses na opinião pública. É um filme político porque se aproxima um referendo sobre o aborto, situação real mas inverosímil segundo os padrões de toda Europa. (O DocLisboa assumiu no ano anterior essencialmente como um festival político. Ou deixou de o ser?) É um filme coeso, com situações muito interessantes, momentos fortes, personagens afirmativas.

Por último, este filme é urgente, porque há um tabu na nossa sociedade, não apenas em relação à sexualidade, mas sobretudo quanto a falar-se de SIDA, objectivo último da experiência de voluntariado que o documentário acompanha. A taxa de SIDA (número de novos casos por ano) em Portugal é a maior da Europa. Talvez isso não impressione ninguém, habituados que estamos a ocupar as margens estatísticas. Mas se olharmos o gráfico abaixo, podemos perceber como este problema é grave e tem sido escamoteado e ignorado – o que também é inacreditável.

Por último, este filme é urgente, porque há um tabu na nossa sociedade, não apenas em relação à sexualidade, mas sobretudo quanto a falar-se de SIDA, objectivo último da experiência de voluntariado que o documentário acompanha. A taxa de SIDA (número de novos casos por ano) em Portugal é a maior da Europa. Talvez isso não impressione ninguém, habituados que estamos a ocupar as margens estatísticas. Mas se olharmos o gráfico abaixo, podemos perceber como este problema é grave e tem sido escamoteado e ignorado – o que também é inacreditável.


Taxa de incidência anual por milhão de habitantes. Fonte: Abraço

Portugal apresenta a mais alta taxa de incidência (número de novos casos) da Europa de infecção pelo VIH - principalmente na faixa etária dos jovens – taxa que tem vindo a aumentar nos últimos anos, ao contrário da tendência europeia e contrastando especialmente com evolução de Espanha, França e Itália, países que haviam iniciado a década de 90 com valores mais desfavoráveis do que Portugal e que conseguem uma considerável melhoria no final da década.

“Segundo um estudo do Eurostat, divulgado a 10 de Setembro de 2002, Portugal é o único país da União Europeia onde se tem registado um aumento do número de infectados com o VIH e apresenta uma taxa de incidência (número de casos por milhão de habitantes) cinco vezes superior à média da comunidade. No 1º semestre de 2004 foram notificados 1515 novos casos de infecção pelo HIV.” (http://www.roche.pt/sida/estatisticas/portugal.cfm

Outros dados em: http://www.aidscongress.net/article.php?id_comunicacao=248

28 setembro 2005

BF - Banda fotografada











Baixa de Lisboa em Setembro 2005.

27 setembro 2005

Alter-representações



Discussão sobre esta imagem em http://dn.sapo.pt/2005/09/26/opiniao/por_imagens_mais_pertinentes.html

Metafilmes



Sem querer ser tão pretensiosa como Morgan Fisher, apetece-me falar de um filme meu que redescobri há pouco tempo. (Foi um dos quatro exercícios que fiz em 1995 na New York Film Academy, filmados em 16mm.) Só voltei rever On the Air passados 9 anos, na sua projecção em Lisboa no Super 8 Global Day, mas sem banda sonora síncrona, que entretanto refiz este ano. É um filme formalmente nítido e essencialista no seguinte: é simultaneamente um documentário puro e uma pura ficção. Ou seja, todo o material visual e sonoro é puramente documental, mas a sua associação é puramente ficcional. O filme (de 6 minutos) foi mostrado recentemente, em Vila Real de Santo António, numa mostra de filmes sobre jardins projectados em jardins – intitulada Ver-te no jardim e organizada por Miguel Marques - cuja ideia acho maravilhosa, pois encena colectivamente a ideia de auto-representação através de um dispositivo de metacinema.

Auto-representações (2)



Os filmes experimentais de Morgan Fisher, feitos nos anos 60 e 70, são reflexões formais sobre o processo de fabrico dos filmes. São autometafilmes essencialistas em que apenas vemos fazer o filme que vemos feito. Achei delicioso e humorístico aquele em que uma rapariga nua grava primeiro uma série de perguntas, depois rebobina a fita magnética e responde então às perguntas gravadas que são sobre o seu corpo que ela avalia e nós vemos. Na medida em que a gravação da actriz é espontânea e única, este filme intitula-se Documentary footage, pois é o documentário de uma situação criada e que nunca poderia ser recriada. Só me pareceu acentuadamente pretensioso que, entre tantos experimentalistas que houve durante o século xx, Fisher reclame para si o “esforço de reparação de um lapso cometido pela história”.

(visto ontem na Culturgest/ExperimentaDesign)

“O Nosso Caso"

No género dos ensaios metafílmicos, temos o documentário de Regina Guimarães e Saguenail, uma síntese original e muito interessante sobre os traços dominantes do cinema português, dividida em 6 capítulos de cerca de meia hora cada. Vi-o há meses na Gulbenkian, que o apoiou, e houve quem se queixasse da má qualidade das imagens retiradas de cassetes VHS. Mas também o filme de Thom Andersen é feito a partir de cópias sem qualidade. Talvez seja impossível, numa pesquisa destas, obter autorizações ou pagar direitos de cópia sobre tantos filmes diferentes. O interesse destes filmes é reflexivo, cabem numa categoria ensaística que, à semelhança do ensaio escrito, se baseia na citação, sucinta e referenciada.

26 setembro 2005

Hollywood



Los Angeles Plays Itself
é um documentário-ensaio de Thom Andersen realizado em 2003. Recolhe centenas de imagens de filmes de ficção e começa por questionar, com alguma ironia, a visão que o cinema oferece da cidade L.A. e seus subúrbios. Procura, nos interstícios da acção ficcional, os índícios documentais que referem, anulam ou transformam os dados geográficos da sua cidade. Num exercício que começa por considerar de interesse local, vai fazendo sobressair "padrões ideológicos que transcendem os olhares individuais dos realizadores", entre os quais, por exemplo, a assimilação da arquitectura modernista californiana à perversidade dos gangsters que nos filmes a habitam, a presença inevitável do automóvel, ou a transformação da imagem da polícia local, aspectos que dominam as representações da cidade enquanto paisagem, personagem ou tema (os 3 capítulos em que se divide o documentário de quase 3 horas).

Uma impressão dominante ressalta deste estudo: as explosões, as metralhadores, os vidros partidos, os prédios desmoronados, enfim, uma colecção de catástrofes humanas em sequência que surge como subtexto. Toda esta violência permanente caracteriza os filmes hollywoodianos e a "ideologia do cinismo, dominante nos EUA, que induz as pessoas a aceitar a violência do mundo exterior e a não participar na vida colectiva", segundo explicou o autor após a sessão na Culturgest. No final deste filme-ensaio, Andersen vai procurar no cinema de autores negros (desde os anos 70) as representações alternativas de uma visão da cidade povoada por gente que anda a pé e de autocarro ou que está desempregada. Estes filmes, que ele designa 'neo-realistas', apresentam uma leitura oposta do real - humanista e política - e uma visão cinematográfica diferente, baseada na psicologia, na memória, no tempo.

É como se, após 2 horas e meia de explosões e tiros, Andersen descobrisse esse outro cinema que não é do mainstream e finalmente pusesse em causa toda a ideologia da violência (a mesma que Moore denunciou em Bowling for Columbine) e se apercebesse da existência de um mundo de excluídos sociais invisíveis aos realizadores de Hollywood pouco conhecedores da cidade real. E esta atitude constitui para o seu autor (na conversa que sucedeu ao filme) uma denúncia política que se aplica à recente catástrofe humana de New Orleans. Que a evidência surja tão tarde no filme é o que surpreende, pois para nós, que não somos americanos, ela é muito mais clara. As imagens do dia 11 de Setembro, nos primeiros momentos, pareceram ao mundo apenas mais um filme americano. A realidade ultrapassava a ficção. Mas os americanos foram muito mais lentos a compreender o alcance das suas ficções.

Afinal, como inicialmente sugerido, este documentário tem uma visão regional, dirigida ao universo cultural incrustado dos americanos, e baseada na incredulidade com que mesmo os intelectuais descobrem agora a realidade terceiro-mundista do seu modelo social dourado.

(visto ontem na Culturgest/ExperimentaDesign)

25 setembro 2005

As imagens fascinam


Os filmes de Bruce Conner trabalham sobre isso. São feitos de colagem de restos de outros filmes (found footage): filmes publicitários americanos dos anos 60, filmes de reportagem ou televisão, filmes desconhecidos de arquivos militares, etc.

Por si só, estas imagens atraem, cativam, prendem. Mas a sucessão descontextualizada desses fragmentos apropriados gera um efeito hipnótico. E hoje, ao fascínio das imagens e do processo de colagem, acrescenta-se a estranha sedução das imagens antigas. Toda a montagem, por definição e natureza, cria um sentido, mas aqui a sua sequenciação aparece acrítica. O que vemos é o ‘valor imagem’ multiplicado de várias formas, pela diversidade, pela repetição. O valor de uma imagem é acentuado através da redundância. E enquanto ela exerce o seu fascínio, ela fascina. Um gesto de braços de mulher, polirrepetido, fica impresso na mente como imagem-síntese, transforma-se em ícone.

Um dos filmes repete n vezes os momentos que antecedem o assassinato de John F. Kennedy. Depois vem o ecrã neutro sobre o qual se ouve o relato radiofónico do acontecimento em directo, sem imagens, portanto. Voltam as imagens em loop insistente. Já não as esqueceremos, porque fomos alvos desse bombardeamento. (Como não conseguimos evitar ver um choque contra os prédios cada vez que um avião desce sobre a zona alta de Lisboa.)

Crossroads (1976) mostra uma explosão atómica experimental no oceano Pacífico (atol de Bikini, em 1946). O primeiro plano mostra um mar com barcos e ouvem-se os pássaros. Dá-se a explosão: o cogumelo atómico sobe, toma forma, espalha-se. A sua beleza é fascinante, como a de uma árvore, uma paisagem, um fogo de artifício. Dez ou vinte segundos depois, chega o som, após percorrer alguns quilómetros. Só então ouvimos a explosão e se calam os patos. E ela espalha agora os seus cúmulos-nimbos que cobrem lentamente os barcos pousados na água. O ruído diminui até se ouvirem de novo alguns sons de natureza viva. Durante mais de meia hora repete-se a mesma explosão filmada de outros pontos de vista, terrenos, aquáticos ou aéreos. Entretanto o ruído de explosão foi substituído por música. O fascínio persiste ainda por algum tempo, mas aos poucos a explosão perde significado, perde o encanto da primeira vez, e o seu efeito hipnótico dilui-se na música agradável que sustenta o nosso olhar já neutralizado e porventura entediado (eu já bocejava, outros fechavam os olhos). E assim passámos do fascínio à indiferenciação, por via experimental.

(visto ontem na Culturgest/ExperimentaDesign)

Cem canais

Um amigo fez-me um reparo: nem tudo o que passa nas televisões é lixo. Sim, é verdade, mas não é esse o meu problema. Tudo o que passa no pequeno ecrã, e nós tratamos com a maior displicência, acaba por se igualar. Na tv, as imagens todas se equiparam, e nós sabemos fazer juízos muito rápidos - em menos de um segundo, sem sequer quase as vermos - sobre as suas mensagens. As imagens de televisão estão já todas codificadas. Como poderemos renovar o olhar ou descobrir alguma coisa com este método de scanning? O problema não está nas mensagens, está no meio. Este meio nivela tudo pelo lixo da porta ao lado. Pela minha saúde visual e pela saúde da minha actividade cinematográfica, preciso de rejeitar a indiferenciação dos cem canais.

24 setembro 2005

Auto-representações



Anos 50 ainda. Ela senta-se na varanda do escritório na Rua Ivens em Lisboa. Pega na revista e toma a posição de leitura. Alguém tira a fotografia, onde vemos duas mulheres modelares.

Início dos anos 60. A noiva senta-se, com papel e caneta. Ajusta a fotografia do noivo em cima da mesa. Começa a escrever. Alguém tira a fotografia que ela irá meter no envelope que há-de enviar ao noivo a cumprir serviço militar em África.

(Fotos de Flávia Silva in Ilusíada)

Memória dos arquivos

Em 2000, passei duas semanas no Arquivo fílmico da RTP, em busca de imagens antigas para o meu documentário Ilusíada, com as quais pretendia ilustrar memórias do passado dos meus quatro personagens. Não memórias pessoais, que foram preenchidas pelos seus álbuns familiares, mas memórias colectivas de que eles se sentiam fazer parte, acontecimentos partilhados na sua época e recordados através das representações visuais coetâneas. Essas imagens faziam parte desse outro filme que justificava o subtítulo “A minha vida dava um filme”.

No Arquivo da RTP, encantei-me com a descoberta desse passado para mim ainda vago e preenchi os meus próprios vazios de passado com imagens alheias. Mas em vez de documentos fílmicos fidelignos ou inteiros, encontrei apenas condensados já montados, discursos e sentimentos organizados, com comentários, com música, vestidos à moda da época. Encontrei objectos manipulados e não documentos para análise, reflexão ou muito menos contemplação. Em vez de imagens etnográficas, encontrei discursos ideológicos. Aprendi imenso sobre esses anos 60 e 70, conhecendo uma versão dos factos que acho falsificada em relação à vida, mas verdadeira quanto às crenças dominantes na época e, especificamente, como representações do fílmico, tema que me interessava como ponto de partida do documentário. E assim decidi incorporar aquela estética no filme colectivo dos meus heróis - como marca epocal.

23 setembro 2005

Sem memória


Dos 50 canais, só tenho pena de perder a RTP-Memória, que acho o canal mais informativo de todos. Desactualizado e por isso muito elucidativo do passado recente do meio de informação de massas chamado televisão. Este canal oferece-nos autênticas viagens no tempo, enquanto zapamos, e tanto caímos em 1969 no programa revisteiro Zip-Zip, onde vemos Almada Negreiros sentado na plateia (teria sido convidado para o programa nesse dia?), como somos transportados para 1995 em plena época de fogos. A televisão mudou com o mundo, ou o mundo é que mudou com a televisão?

Só este canal nos permite recuperar essa memória, o que é também um exercício mental de confronto com as raízes da nossa cultura mediática, que exactamente a outra televisão se encarrega de apagar, com a sua lógica do imediato e da emoção. A televisão, por definição, não tem consciência histórica. A RTP-M é um contraponto necessário.

Na televisão antiga, tudo nos aparece de uma singeleza artesanal que não tem paralelo nos efeitos sonoplásticos de hoje. Os telejornais emitiam notícias objectivas sem sal e pimenta e revelavam um comprometimento com princípios de que já ninguém se lembra. As entrevistas, por exemplo, estão feridas de uma honestidade antiga e desaparecida. Como aquela de um administrador de uma empresa, no pós-revolução, explicando, com uma modéstia que na época era correcta, e numa linguagem elegante e perifrástica, que não lhe cabia a ele fazer o elogio da sua empresa, e remetendo para informantes exteriores o conhecimento geral dos bons resultados empresariais... Ou os primeiros programas sobre música de António Victorino de Almeida, e vinte anos depois o mesmo compositor amarelamente sentado num palco de programa histérico a ouvir cantar Marco Paulo! Ou o reprise de uma entrevista ao escultor Lagoa Henriques, que por sua vez mostra excertos de um seu programa dos anos 70. Enquanto dura vou aproveitar.


22 setembro 2005

Sem cabo




Finalmente, dei o passo decisivo: cancelei a minha assinatura de tvcabo. Adeus lixo, adeus, não espero sentir a tua falta. Agora vou dedicar-me às prateleiras de livros ainda por ler. Que alívio.

21 setembro 2005

Esta máquina


(Aos meus três leitores)

Os papéis cansam. Os computadores cansam. O calor cansa. O dia cansa. O trabalho cansa. A noite descansa. A frescura alenta. O livro liberta. A burocracia não tem remédio. As instituições humanas, sabiamente edificadas por séculos, são perfeitas para ocupar os espaços livres da existência de quemquer acaso nascido neste sistema maravilhoso apalmeirado com surpresas postais das finanças, contas de tvcabo e mensagens de satélite com promoções de GPS XPTO UHT RCV DTS E ETC.

19 setembro 2005

As imagens cansam

Vivemos atacados de imagens por todos os lados, imagens fortes, impositivas, quase todas carregadas de mensagens impressas, e outras já tornadas assignificantes pela sua cadência alucinada e indiferente. Distinguir e seleccionar tornou-se um acto automático. As imagens são uma segunda natureza.

Comprei uma máquina fotográfica digital e passei a produzir cerca de mil fotos por mês. Faço o que sempre desejei fazer, mas não podia, ou porque saía caro, ou porque a máquina antiga pesava demais e não cabia nos bolsos. As imagens são a minha segunda natureza. Mas evito o excesso, porque sinto que os limites – exteriores ou interiores - é que permitem dar valor a uma imagem.

No verão passei uma semana sozinha numa aldeia do norte. Estive a filmar, mas estive, antes de mais, a viver e a perceber como filmar. Citadina por condição, nunca tinha percebido o que é viver e estar num sítio onde tudo se passa, não direi mais devagar, mas mais espaçadamente. Onde cada carro que vem ou vai, cada pessoa que sai de uma porta ou atravessa a rua, cada nuvem que passa, cada movimento, cada gesto, tem um tempo, um percurso, um espaço, um sentido, e tudo se integra, sem haver acumulações nem engarrafamentos, no todo orgânico da existência.

Passei a ver de outra forma, como fazem os aldeãos quando o nosso carro atravessa a sua aldeia, que nos olham desde que aparecemos à esquerda até que desaparecemos à direita do seu campo visual. Habituei-me também a seguir atentamente quem chega e quem parte. Apenas porque todos esses acontecimentos adquiriam imenso significado para a minha descoberta daquele lugar. Faziam parte da sua vida e tinham repercussões imediatas. Quando fosse ao café, alguém estaria a falar de quem ali esteve antes, do que contou e disse e quem era. Assim se constrói um mundo. A capacidade de contemplar uma acção na sua totalidade tornou-se ali o meu método de filmar. Aprendi a filmar pouco, mas a escolher melhor.

17 setembro 2005

Say Amen


Say Amen é um documentário autobiográfico sobre a saída do armário do seu realizador gay por meio de uma indagação familiar. David Deri, filho de uma família tradicional israelita, interroga os numerosos irmãos acerca de como eles encaram a sua homossexualidade, e é avisado que, se o contar ao pai, poderá matá-lo de desgosto.

Muitas vezes filma à revelia, contra a vontade das pessoas que lhe estão próximas e que afastam a câmara intrusiva. Apesar de usar bons meios técnicos, filma como homevideo propositado (herdeiro do cinema-verdade e dos dogmas 95), num estilo caótico frequente neste género de documentários autobiográficos, ou familiares, muito desenvolvido nos anos recentes. O uso de música em algumas cenas, num tom de videoclip, tem uma função subjectivante semelhante àquela que cada um cria quando enfia o walkman nas orelhas e olha o mundo tingido por uma (assim chamada) imagem sonora.

Em resposta a esta interpelação forçada e sucessiva, todos insistem em que arranje uma namorada, excepto uma cunhada que tenta defendê-lo, mas o marido não a deixa falar. Até que chega o momento da revelação à mãe, que logo teme pela vida do pai. Finalmente, quando aborda o pai, este já sabe tudo e pergunta-lhe apenas: por que andas com homens? Não chega a haver aceitação mútua, mas há conciliação, com os pais a abençoarem o filho e a desejarem-lhe uma noiva. Uma irmã alegra-se porque consultou uma vidente que, ao deitar as cartas, lhe disse logo: ele é bissexual. E incita-o a casar, ainda que depois se divorcie e faça o quiser...

Neste processo de confronto múltiplo, conseguimos apreender muitos aspectos da cultura local – com a grande importância dada à unidade familiar - e compreender os valores de uns tanto como de outros. Percebemos como todas as convicções são tão relativas e instáveis.

(visto na ZDB/VideoLisboa)

McLuhan ainda


Na Experimenta Design, o designer-realizador Rob Schroder apresenta 3 trabalhos em ecrã, todos feitos a partir do seu “vasto arquivo de imagens foto e videográficas” – sequências velozes de imagens caleidoscópicas, uma delas capaz de nos levar ao estado catatónico em poucos segundos, numa dor aguda de excesso de imagens e mensagens que nos alerta para os riscos da exposição prolongada a estes estímulos que matam paulatinamente as nossas capacidades de percepção e entendimento.

A exposição – centrada no design de comunicação e intitulada “O meio é a matéria” – está dedicada à publicidade anti-política, ou anti-publicidade política, que usa as próprias técnicas e linguagens para pôr em causa a política oculta dos mass media. Muito interessante.

16 setembro 2005

Missão cumprida

Os primeiros a ver um documentário acabado são, por regra, os seus participantes. Assim fui mostrar um filme agora concluído aos seus actantes, os alunos e professores que participaram num programa piloto de educação sexual. Passaram dois anos já desde que os filmei e, portanto, revê-los e reverem-se foi também um reencontro. A euforia de se reconhecer em ecrã grande, ou a surpresa de não se conhecer de um ponto de vista alheio, gera sempre risadas e comentários que por vezes abafam a audição mesma do filme. Neste caso, a turbulência na plateia era ainda maior que a da projecção.

Para mim - que durante mais de meio ano convivi diariamente com o material filmado, que vi e revi e ponderei cada gesto, cada personagem, cada acção - foi a sensação estranha de ver em carne e osso os meus heróis de televisão e de os conhecer quase melhor do que eles entre si. Reconheço-lhes as vozes a distância, conheço-lhes os gostos, as fraquezas, os risos, os trejeitos – o seu retrato humano e analítico. E, apesar de se crescer muito dos 16 aos 18 anos, eles são ainda os mesmos. Sinto-me tão próxima deles quanto eles me desconhecem. Porque eu estive sempre silenciosamente atrás da câmara observando as suas interacções, eu para eles quase não existo. Quando me vim embora e os vi a todos juntos no café, senti a alegria de os ter de novo reunido e percebi uma mágoa em mim por, estando tão perto deles, estar tão distante. Meti-me à auto-estrada ainda em alvoroço. O poder do filme de oferecer uma hipótese de auto-reflexão aos seus sujeitos e de organizar uma experiência de vida deixa-me quase sem palavras. E a eles? (Mas o filme não é nem para mim nem para eles, é ainda para outros.)

Esta sessão solene tem também um objectivo claro: saber se há alguma coisa no documentário que se desagrade aos seus participantes, que magoe a sua imagem. Desta vez não tive problemas com autorizações. Funcionou a relação franca e a confiança pessoal. E mesmo algumas cenas mais duras, mais do que fragilizar, valorizam os seus personagens. As regras de produção de um documentário mandam que se obtenham autorizações dos participantes previamente, para assegurar que não haverá problemas como o que tive no ano passado (ver abaixo). Para quem faz produção independente – e pega na câmara e vai à caça sozinha - é difícil puxar da caneta e fazer as pessoas assinar um papel, sem instituir nesse acto a desconfiança. Eu prefiro, correndo riscos, pedir às pessoas que aprovem o trabalho na sua forma acabada. Acho isso decente.

15 setembro 2005

Festival de festivais

A partir de hoje, por uma semana, 3 festivais em simultâneo na cidade. A segunda parte do VideoLisboa na ZDB, com 8 documentários de longa-metragem, 3 de Israel, 3 alemães, 2 latino-americanos (Brasil e Chile). No Fórum Lisboa a Mostra de Cinema da América Latina com 9 longas-metragens, entre as quais um documentário, e 8 curtas. E no Quarteto, o Festival de Cinema Gay e Lésbico com uma centena de filmes e integrando também um colóquio no Instituto Franco-Português. Vai uma ser uma semana difícil.

Amadeo

Máscara de Aço contra Abismo Azul, um filme de Paulo Rocha sobre Amadeo de Sousa Cardoso, por altura da exposição na Gulbenkian e de uma encomenda da RTP. Um filme poliestilístico - cruzando teatro, registo in vivo da inauguração, trabalho de câmara sobre as obras pictóricas, narração epistolar e contextual a várias vozes, encenações sonoras (tipo dada) de quadros, referências trocadas a Pessoa, Sá-Carneiro, Almada, Eduardo Viana, António Carneiro, a família, o tio, a primeira grande guerra, etc. Tudo muito intenso e impressivo - numa plasmose modernista provocada que representa essa época de "anarquia artística" - a ponto de ser difícil de absorver, quando surgem em simultâneo vozes, música, sonoplastia e imagens em movimento. É excelente a cena inicial da inauguração, com os cenários, aumentados a partir dos quadros de Amadeo, entrando as portas transparentes e passando entre os convidados, no meio de comentários de gente banal. Mas nem Paulo Rocha escapa ao cliché de representar o artista em frente à tela dando umas pinceladas mal feitas num quadro que nitidamente estraga. (Acho sempre difícil aderir a estas cenas mal fingidas, como às dos músicos que fingem tocar piano sem tocar nada.) O filme é uma recriação da obra do pintor vista por Rocha, posto diante da questão: "se ele não gostava de retratos, como é que eu ia retratá-lo?"

14 setembro 2005



Máscara de aço contra abismo azul, Paulo Rocha, 1988, 60', hoje na Cinemateca às 22h.

12 setembro 2005

Proliferação



Fui ontem ao VideoLisboa no Fórum Lisboa. Numa sala de bar alinhavam-se até ao número 1013 os vídeos recebidos a concurso. Escolhi um dos vídeos à la carte: Fiction Artists, um filme alemão. Usando excertos de mais de uma centena de filmes (que vão de 1921 a 2000), os autores fazem uma súmula dos clichés que o cinema do século xx (sobretudo americano) criou sobre a imagem do artista: as cenas de quadros dilacerados, as modelos que se despem, a afirmação do artista como tal, os gestos de contemplação da tela, as menções de pintores, etc. Esta colecção sistemática de cenas fílmicas formam um documentário sobre as nossas imagens de referência colectiva, aqui tratadas com algum experimentalismo. Este legado de lugares-comuns, entre o detestável e o risível, faz-nos desejar que o século xxi nos ofereça outras imagens e se liberte daquela visão enlatada. É para o que serve este festival.

Na sala grande, pude ver uma dúzia de filmes, todos bem diferentes e de interesse desigual. A tarefa de seleccionar os filmes deve ser gigantesca e insana. Estabelecer linhas e critérios de selecção parece um quebra-cabeças. A lógica de programação em sequência das curtas-metragens não deve ser fácil, mas não resulta evidente.

Nas sessões das 17h e das 18h30 havia 20-espectadores-20. A desproporção entre este número e o das cassetes enviadas dá que pensar. Há mais gente a exprimir-se por meio do vídeo que espectadores para essa proliferação de visões, quase tão vasta como a dos blogs. Só que, enquanto estes escrevem para uma corte de amigos, aqueles atravessam os ares dentro de uma cassete em busca de um festival noutro canto do mundo.

11 setembro 2005

Do Grande Irmão à Guerra no Iraque

Quando em 1991 comecei a fazer documentários descobri a facilidade com que todas as pessoas (as crianças mais, os adultos também) se esqueciam de estarem a ser filmadas e agiam com total naturalidade, facto que frequentemente o público de documentário indaga junto dos realizadores: como conseguiu filmar sem que as pessoas parecessem importar-se? A verdade é que, como há muitos anos explicou Frederic Wiseman na Cinemateca, após os momentos iniciais, é a naturalidade que domina, porque ainda que as pessoas se sintam pouco à vontade, o papel que melhor sabem representar é o seu próprio. E daí vem a verdade que passa para o filme. Nessa época, as pessoas ainda posavam para câmara como para uma fotografia e no fim perguntavam "já está?"

Em 1993 ou 94, apareceram as televisões privadas e uma nova forma de televisão do real que se desloca a toda a parte veio reavivar o conceito de "país real". Cada vez que filmava na rua (com a minha câmara amadora), as pessoas vinham perguntar se era para SIC. Se fossem crianças, faziam fitas e brincavam, mas uma vez que não era para SIC, nem ia aparecer na TV, logo se desinteressavam. Já era mais difícil uma câmara passar despercebida.

Em 1999 apareceu o concurso Big Brother - que é duvidoso que o país real tenha percebido que se referia ao Grande Irmão do livro de Orwell - e as pessoas começaram a tomar consciência de que o real pode ser manipulado a desfavor dos seus actores. O crescimento imparável de câmaras de vigilância, não apenas das que são visíveis e assinaladas nos bancos, mas também das que estão escondidas atrás da prateleira dos cornflakes em pequenas mercearias de bairro, introduziu a noção desconfortável de que a imagem de cada um é passível de ser apropriada.

Depois veio o 11/9 e a paranóia da da suspeita e da vigilância. Lá para 2003(?) chegaram os fantásticos telemóveis fotográficos que tornam fácil e discreto qualquer um fotografar qualquer outro. E a guerra no Iraque. Foi nesse período que fui filmar algumas actividades de expressão artística numa escolinha primária de ambiente familiar. As crianças, sugestionadas pelas notícias da actualidade, quiseram fazer uma história (e um filme de animação) sobre a guerra no Iraque que então decorria nos ecrãs. Portaram-se muito bem nas aulas, mas decidiram acabar com a América. O filme só foi montado um ano depois e avisei então os meninos e as famílias de que estava concluído. Não houve objecções, até que apareceu na televisão um anúncio do DocLisboa que mostrava breves momentos do meu filme. Uma mãe indignada telefonou-me a pedir satisfações sobre os 2 segundos em que aparecia a filha dela: "A minha filha anda na rua sozinha, não posso permitir, e o assunto que é!" Assim foi retirado o anúncio.

Hoje, acho cada vez mais difícil filmar as pessoas. Todas se retraiem um pouco e desconfiam. Estabelecer que existe uma ética do documentarista que difere absolutamente da falta de ética do televisista ou do vizinho em frente é muito difícil. As pessoas perderam a inocência. Inúmeras vezes dizem que não querem ser filmadas e eu deixei de me sentir confortável na pele de documentarista. Chega a apetecer às vezes filmar nas costas das pessoas um filme sobre as costas das pessoas, como no caso da fotografia abaixo daquele arrumador tão demasiado consciente do seu papel.

Como dizia a advertência inicial ao filme sobre Lopes-Graça (abaixo referido), "há no Brasil 3 três raças de índios" (sic): uns que fogem das câmaras com medo de lhes ser roubada a alma; outros que desejam muito ser fotografados e posam insistentemente; outros que fazem de conta que não está ali câmara nenhuma e se comportam como na vida normal.

10 setembro 2005



Quem quiser perder de vez a inocência por 99 euros, vá ao LIDL. Se ainda for a tempo.

Os primeiros filmes



"Sophia de Mello Breyner Andresen" e "27 minutos com Fernando Lopes-Graça". Dois filmes irmãos, dois documentários de 1969, dois retratos, um feito por João César Monteiro, outro por António Pedro Vasconcelos, passaram na Cinemateca esta semana. Dois primeiros filmes, dos então estudantes de cinema, que pertencem a uma série de cinco curtas-metragens sobre "vultos" da cultura portuguesa (um escritor, Fernando Namora, um pintor, Júlio Resende, um escultor, António Duarte, um poeta e um compositor). Os vultos aceitam dar a cara e não é sem dificuldade que o fazem. Esse processo de desvelamento parece, em ambos os casos, o nó central do filme.

Sophia é filmada na praia com os filhos, visivelmente embaraçada com a presença da câmara. Depois, em casa, lê ao filho mais novo a sua história A Menina do Mar, cuja leitura no final a criança critica por ser "pouco natural", desconcertando a mãe. Em seguida ensaia um discurso sentado para a câmara, que é interrompido pelo ruído das adolescentes que, a pedido clandestino do realizador, puseram o gira-discos a tocar. Sophia só não desespera porque sabe que está a ser filmada. Mas estala o verniz e é interrompido o seu discurso que começara por algo como “sempre disse que não acredito em biografias senão na nudez..." (cito mal de memória).

Com Fernando Lopes-Graça, mostrado no seu ambiente doméstico e campestre, copiando pautas, o mesmo embaraço. Momentos da vida - as crianças vizinhas que o visitam, tímidas como parece que eram as crianças nos anos 60, para quem ele põe a tocar o disco da mesma Menina do Mar, história por si musicada e lida por Eunice Muñoz - são intercalados com momentos de uma entrevista que não o parece, pois o compositor redigiu um texto para responder às perguntas previamente preparadas. E diz (reproduzo de memória apenas as ideias e mal): “Pediram-me que falasse da minha obra, mas não sei se poderei falar de Obra num sentido uno e coerente, mas antes de obras que ao longo de 40 anos fui fazendo suceder. Só se deve falar em obra a respeito de casos ímpares, de génios...”

O excesso de modéstia destes agora génios da cultura, que tem tanto de retórica politicamente correcta como de modéstia real, contrasta com o culto do ego dos tempos actuais. O seu embaraço perante a câmara, mas sobretudo perante a fixação em imagem de um retrato pessoal para a posteridade, assinala um estádio ingénuo de consciência de uma tensão própria ao registo documental (que nessa altura já passaria pela descoberta ainda recente da televisão na vida diária). É notável que ambos os realizadores tenham optado por conservar essa tensão expressa no interior dos filmes, atitude de questionamento de linguagens própria de um cinema novo.

08 setembro 2005

Arrumador nº 260977087














Arrumador nº 260977087 na Rua da Misericórdia em Lisboa