Os primeiros a ver um documentário acabado são, por regra, os seus participantes. Assim fui mostrar um filme agora concluído aos seus actantes, os alunos e professores que participaram num programa piloto de educação sexual. Passaram dois anos já desde que os filmei e, portanto, revê-los e reverem-se foi também um reencontro. A euforia de se reconhecer em ecrã grande, ou a surpresa de não se conhecer de um ponto de vista alheio, gera sempre risadas e comentários que por vezes abafam a audição mesma do filme. Neste caso, a turbulência na plateia era ainda maior que a da projecção.
Para mim - que durante mais de meio ano convivi diariamente com o material filmado, que vi e revi e ponderei cada gesto, cada personagem, cada acção - foi a sensação estranha de ver em carne e osso os meus heróis de televisão e de os conhecer quase melhor do que eles entre si. Reconheço-lhes as vozes a distância, conheço-lhes os gostos, as fraquezas, os risos, os trejeitos – o seu retrato humano e analítico. E, apesar de se crescer muito dos 16 aos 18 anos, eles são ainda os mesmos. Sinto-me tão próxima deles quanto eles me desconhecem. Porque eu estive sempre silenciosamente atrás da câmara observando as suas interacções, eu para eles quase não existo. Quando me vim embora e os vi a todos juntos no café, senti a alegria de os ter de novo reunido e percebi uma mágoa em mim por, estando tão perto deles, estar tão distante. Meti-me à auto-estrada ainda em alvoroço. O poder do filme de oferecer uma hipótese de auto-reflexão aos seus sujeitos e de organizar uma experiência de vida deixa-me quase sem palavras. E a eles? (Mas o filme não é nem para mim nem para eles, é ainda para outros.)
Esta sessão solene tem também um objectivo claro: saber se há alguma coisa no documentário que se desagrade aos seus participantes, que magoe a sua imagem. Desta vez não tive problemas com autorizações. Funcionou a relação franca e a confiança pessoal. E mesmo algumas cenas mais duras, mais do que fragilizar, valorizam os seus personagens. As regras de produção de um documentário mandam que se obtenham autorizações dos participantes previamente, para assegurar que não haverá problemas como o que tive no ano passado (ver abaixo). Para quem faz produção independente – e pega na câmara e vai à caça sozinha - é difícil puxar da caneta e fazer as pessoas assinar um papel, sem instituir nesse acto a desconfiança. Eu prefiro, correndo riscos, pedir às pessoas que aprovem o trabalho na sua forma acabada. Acho isso decente.
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