23 setembro 2005

Sem memória


Dos 50 canais, só tenho pena de perder a RTP-Memória, que acho o canal mais informativo de todos. Desactualizado e por isso muito elucidativo do passado recente do meio de informação de massas chamado televisão. Este canal oferece-nos autênticas viagens no tempo, enquanto zapamos, e tanto caímos em 1969 no programa revisteiro Zip-Zip, onde vemos Almada Negreiros sentado na plateia (teria sido convidado para o programa nesse dia?), como somos transportados para 1995 em plena época de fogos. A televisão mudou com o mundo, ou o mundo é que mudou com a televisão?

Só este canal nos permite recuperar essa memória, o que é também um exercício mental de confronto com as raízes da nossa cultura mediática, que exactamente a outra televisão se encarrega de apagar, com a sua lógica do imediato e da emoção. A televisão, por definição, não tem consciência histórica. A RTP-M é um contraponto necessário.

Na televisão antiga, tudo nos aparece de uma singeleza artesanal que não tem paralelo nos efeitos sonoplásticos de hoje. Os telejornais emitiam notícias objectivas sem sal e pimenta e revelavam um comprometimento com princípios de que já ninguém se lembra. As entrevistas, por exemplo, estão feridas de uma honestidade antiga e desaparecida. Como aquela de um administrador de uma empresa, no pós-revolução, explicando, com uma modéstia que na época era correcta, e numa linguagem elegante e perifrástica, que não lhe cabia a ele fazer o elogio da sua empresa, e remetendo para informantes exteriores o conhecimento geral dos bons resultados empresariais... Ou os primeiros programas sobre música de António Victorino de Almeida, e vinte anos depois o mesmo compositor amarelamente sentado num palco de programa histérico a ouvir cantar Marco Paulo! Ou o reprise de uma entrevista ao escultor Lagoa Henriques, que por sua vez mostra excertos de um seu programa dos anos 70. Enquanto dura vou aproveitar.


Sem comentários: