28 julho 2007

Leitura de férias



É tanto o spam que chega que não há geralmente tempo para o ler. Mas se o olharmos com mais atenção descobrem-se algumas maravilhas da literatura, da imaginação e do mundo desconhecido. Quem o decifrará? Dava uma tese de doutoramento.

«Due to the sudden death of my husband GeneralAbacha the former head of state of Nigeria in June 1998, I have been thrown into a state of hopelessness by the present administration.I have lost confidence with anybody within my country

«This is to inform you that your email has won a consulation prize of the Microsoft Corporation»

«My name is JOHN MALIK, son of late marketing chairperson of Sierra Leone diamond marketing board, who was killed by the rebel, Mr. Sigistmund Malik but late now

«This is to inform you that the Senate President, Senator Ken Nnamani have instructed me to release your Accrued Interest Payment Valued $15m into your Account and i have tried every thing humanly possible to contact you

«I am Miss.HUDA HADIL KASHIF, an Iraqi national, the only survival daughter of Mr. KHALID KASHIF,who is into oil marketing in Iraq

«Dear friend, Greetings to you in the name of our heavenly God. This mail might come to you as a surprise and the temptation to ignore it as unserious could come into your mind; but please, consider it a divine wish and accept it with a deep sense of humility

«I am Mr. Ming Yang.i have an obscured business> suggestion for you.I am here-by seeking your service in helping me recieve a large amount of money and in giving a clear research and> feasibility studies on areas I could invest on

«Though this medium (Internet) has been greatly abused, I choose to reach you through it because it still remains the fastest medium of communication

20 julho 2007

Isto é...



...uma experiência de poesia concreta em meio interactivo, por Ana Hatherly, pioneira da poesia concreta desde os anos 60: http://www.interact.com.pt/interact1/lab_1.html

18 julho 2007

Retorno



Documentários de Alain Resnais, hoje às 22h, na fábrica Braço de Prata - nova migração das livrarias Ler Devagar e Eterno Retorno - entre muitas outras actividades, diariamente partir das 22, 23, 24h. (Só acho o horário demasiado noctívago.)

15 julho 2007

O factor independente



Em Lisboa, ganham todos. O PS ganha sozinho a Câmara, pela primeira vez em 31 anos, disse António Costa. E diz Sócrates: é mais uma grande vitória do PS. Na verdade tiveram menos que 30% e ficaram abaixo dos dois candidatos afectos ao PSD que juntos somam 32%. Se não fosse a dissidência de Carmona, o resultado seria muito muito incerto, a favor do PSD. O PS deve-lhe a vitória. Carmona também se diz ganhador, pois confirmou no escrutínio a sua base de apoio pessoal, ignorando os interesses partidários pelos quais concorreu há dois anos e pelos quais se sentiu "traído" há 3 meses. Por outro lado, a esquerda combativa - Roseta, a CDU e o Zé/BE - juntos ganharam 5 vereadores, quase tantos como os 6 do PS ou do "PSD". Mas a CDU e Sá Fernandes mantêm os lugares que já tinham. Apenas Helena Roseta, afinal, vem roubar votos ao PS. Verificamos que bastaram dois desalinhados para estragar o equilíbrio táctico dos grandes partidos. A engrenagem agora é outra. A nova ordem política exige que saibam encontrar consensos ou maiorias.

Foto: Ao Fim da Noite (1991), de Joaquim Leitão

03 julho 2007

A cultura de merceeiro



«O presidente da administração de Serralves, Gomes Pinho, defende a extinção do Ministério da Cultura» (Público, 30 de Junho 2007). Diz que, com este “elemento quase simbólico”, quer “lançar o debate público sobre a matéria”. Curiosa pedrada de quem administra uma fundação cujo orçamento é pago pelo mesmo Ministério da Cultura a 50%. Na verdade, o “advogado e gestor” não pretende acabar com o financiamento do Estado às instituições culturais, apenas pretende alargar a privatização da cultura, cujo “serviço público” seria pago pelo estado.

Ou seja, em vez de serem os criadores a dirigir-se directamente ao MC para obterem apoios para as suas actividades, seriam os advogados e gestores da cultura a fazê-lo. Muito cómodo. Os criadores passariam a lidar portanto directamente com estes advogados de outra causa que não é certamente a mesma que a sua. Os advogados do gosto dominante, os angariadores de públicos para a cultura, que, muito oportunamente, recebem chorudos financiamentos estatais.

Ora, se existem iluminados capazes de fazer da cultura um negócio, para que há-de existir um ministério da cultura, sujeito ao escrutínio público, a contas públicas, à renovação periódica de ministros e directores de teatros e tudo o mais? Que desperdício. Entregue-se a tarefa aos burocratas da finança que eles se encarregarão, no anonimato dos seus gabinetes, de fazer valer a cultura que vale dinheiro – aquela que dá público e prestígio – e, já agora, facilitar os negócios de lavagem de dinheiro que o comércio da arte tanto ajuda. O paraíso.

Então e os concursos e as pontuações e os júris rotativos de especialistas de teatro e de dança e de cinema e de artes e de tudo o mais? Quem precisa de jurados e especialistas, quando o que interessa são os públicos? A cultura, diz ele, “tornou-se uma utility”. “Então é preciso reposicionar o Estado nisso, e ver a cultura a partir da óptica do fruidor, do consumidor”. Adeus cidadania, o direito à voz própria transforma-se em direito de consumir (pagando).

Assim, a independência face ao estado ficaria livre das “tentações – que são humanas – de imposição de gostos pessoais”, diz ele, querendo insinuar que os subsídios são dados por preferências políticas, “obviamente, porque os políticos não são santos”. Os decisores privados, esses seriam isentos. Grande falácia. Ora, é para isso mesmo que existem júris especializados, para evitar favorecimentos. De facto, só o Estado pode garantir, pela transparência das suas regras e regulamentos e legislações, a maior equidade.

Então e os artistas? Ora, que vão bater às portas e lamber as botas dos senhores poderosos, desses pseudo-mecenas que gastam o que não é seu, segundo o critério universal da sua arbitrariedade. Que se sujeitem às leis da ”concorrência internacional”. De que estará ele a falar? De cultura portuguesa? Esqueçam Portugal, agora estamos na Europa, no mundo. Como ele diz, “os talentos são muito móveis – não sei se serão tão móveis como o capital”. Brincamos? Os administradores da arte têm altas ambições para as suas cobaias, os “novos criadores” vendidos fresquinhos como as alfaces e trocados como um produto perecível de mercearia. A menos, claro, que os iluminados vejam neste e naquele talento firmado a lâmpada de Aladino dos cifrões, a estrela capaz embasbacar as massas e atrair a massa.

O problema destes gestores é a sua cultura de merceeiro, que lhes deve ser muito útil, mas que se distingue radicalmente da genuína cultura. O senhor Gomes Pinho não está a falar de cultura, senão de comércio e margens de lucro. Mas a autêntica cultura não é um negócio, nem o consumo da dita, nem um campo onde a concorrência dita as leis, como ele pretende.

A cultura é a necessidade humana de exprimir e criar segundo leis próprias. Para conseguir chegar aos outros, independentemente, muitas vezes, de obter ou não sucesso junto do público. O ideal da cultura é ser livre, gratuita, independente. A cultura é o amor do conhecimento, da descoberta, da investigação; é a invenção pura, a arte pela arte, a liberdade do gesto, a intervenção pública ou a necessidade de revolta.

Nada disto cabe na sua carteira de “programações com estabilidade”, de “contratualizar com o estado programas de cinco a dez anos com metas quantitativas e qualitativas”, de “uma política de atracção de talentos do estrangeiro”. Então, o ministério da cultura não tem como missão apoiar os criadores portugueses ou de Portugal? Para António Gomes Pinho parece que tem a missão de trazer criadores estrangeiros de prestígio para gerarem grandes movimentações de massas. É a síndroma Frank Gehry, a cultura dos novos-ricos, dos especuladores, das estrelas do poder.

O entrevistador, muito a jeito, pergunta-lhe se não gostaria de “pôr isso politicamente em prática, eventualmente num próximo governo”. Espantosa pergunta. Visto que o seu propósito é extinguir o MC e substituí-lo por financiamentos transversais a todos os ministérios – numa óptica promocional e utilitária dos objectivos desses sectores da economia – resta-lhe o tal lugar que há-de “substituir o MC, a nível de governo, por uma estrutura muito flexível junto do primeiro-ministro”. A ver se pega.

O Ministério da Cultura que tutela os museus e o património histórico, os monumentos arqueológicos, os arquivos de cinema, a memória das artes, os teatros nacionais, as orquestras e as companhias de dança, a biblioteca nacional e tudo o mais – tudo aquilo que é de todos nós, que é a nossa cultura comum – deve existir sempre para que tudo isso continue sendo património nacional.

Que vivam as fundações, mas não comam tudo. Agora querem todos ser berardos.

Imagem: Miguel Palma