24 setembro 2005

Memória dos arquivos

Em 2000, passei duas semanas no Arquivo fílmico da RTP, em busca de imagens antigas para o meu documentário Ilusíada, com as quais pretendia ilustrar memórias do passado dos meus quatro personagens. Não memórias pessoais, que foram preenchidas pelos seus álbuns familiares, mas memórias colectivas de que eles se sentiam fazer parte, acontecimentos partilhados na sua época e recordados através das representações visuais coetâneas. Essas imagens faziam parte desse outro filme que justificava o subtítulo “A minha vida dava um filme”.

No Arquivo da RTP, encantei-me com a descoberta desse passado para mim ainda vago e preenchi os meus próprios vazios de passado com imagens alheias. Mas em vez de documentos fílmicos fidelignos ou inteiros, encontrei apenas condensados já montados, discursos e sentimentos organizados, com comentários, com música, vestidos à moda da época. Encontrei objectos manipulados e não documentos para análise, reflexão ou muito menos contemplação. Em vez de imagens etnográficas, encontrei discursos ideológicos. Aprendi imenso sobre esses anos 60 e 70, conhecendo uma versão dos factos que acho falsificada em relação à vida, mas verdadeira quanto às crenças dominantes na época e, especificamente, como representações do fílmico, tema que me interessava como ponto de partida do documentário. E assim decidi incorporar aquela estética no filme colectivo dos meus heróis - como marca epocal.

1 comentário:

Sérgio A. Correia disse...

Leonor

Posso estar a dizer um grande disparate, mas talvez fosse interessante declarar esses arquivos de utilidade pública. Creio que foi a partir da Nova História (o Marc Ferro, por exemplo, com o seu fabuloso "Cinema e História"), que as imagens em movimento passaram a ser consideradas e consultadas como documentos históricos. Já que o mundo não se pode abrir à RPT cabe a esta abrir-se ao mundo e permitir o livre acesso a um espólio tão rico.