23 setembro 2006

Grandes esperanças



E pronto, já foi divulgado o programa do festival Doclisboa. Grandes esperanças tinham os realizadores dos 120 filmes portugueses enviados para selecção. Foram escolhidos 20. Eu tive sorte, embora “sorte” não seja a palavra adequada. Por detrás desta selecção há decisões, grandes decisões, pois afectam grandemente a vida de cada realizador. Tal como as não-decisões, que afectam ainda mais. É que, sendo o funil tão estreito, ter um filme escolhido, para além do reconhecimento do trabalho feito, é uma vaga promessa de se poderem fazer outros filmes, cujos financiamentos dependem geralmente de concursos que valorizam os currículos que se valorizam em função do número de festivais frequentados (sem falar nos prémios).

E pronto, souberam-se também os resultados do concurso do ICAM para produção de documentários. Em 80 filmes candidatos, foram apoiados 6-seis-6. Somos demasiados cães a um osso. A quantidade de ideias, de projectos escritos, de realizadores em expectativa, ultrapassa a sua possibilidade. Muito trabalho e esforço, para parcos resultados. Grandes expectativas postas em poucas hipóteses. Poucas perspectivas, ainda, de se verem os filmes que vierem a ser a feitos.

Se a vida já é injusta (como dirão os que esperavam dela alguma providência divina), então os concursos são a figura travestida dessa injustiça. Porque, apesar da sua aparente lógica do prémio, os concursos baseiam-se na exclusão e, logo, por inerência são injustos. Um festival de filmes deveria ter um critério de inclusão – daquilo que se considera bom ou interessante. Para poder fazer jus a cada filme. Será que há demasiados filmes?

Fiquei desiludida por saber que o filme “Grandes Esperanças” do Miguel Marques (em que participei) não foi seleccionado para o Doclisboa. Este documentário é o resultado de um mês de filmagens contínuas na Loja do Cidadão do Porto, uma “loja” que agrega todos os serviços devidos ao cidadão, aliás, todas as obrigações que ele tem a cumprir, e mais alguns produtos da vida moderna.

Entrar nos meandros da burocracia já é uma aventura q.b. cómica. Mas este filme dá-nos uma visão de conjunto e quase trágica dos processos de legitimação do indivíduo perante o estado, mostrando como toda a nossa existência depende, do nascimento à morte, da Instituição que organiza a vida em sociedade e que aqui aparece na sua dimensão abstracta e coerciva. E só lhe vemos a ponta do icebergue.

Por outro lado, é um filme totalmente humanista, focado nas dificuldades do indivíduo em defrontar as leis a que não pode fugir. É um filme revelador como uma esponja impregnada de sabão ideológico. É um filme radical, nos meios, no ponto de vista e nas ilações. Não conheço outro documentário que faça assim o escalpe à psicose da instituição. Que ele fique privado de chegar ao seu público é uma grande pena.

2 comentários:

JPN disse...

Parabéns, Leonor. Bjlyunk

Nuno Pires disse...

Parabéns pela selecção. Não quero perder este filme!

No entanto... Não gosto nada de receber e-mails deste tipo:

"Lamentamos informar que o seu filme não foi seleccionado para o Festival. O reduzido número de sessões de que dispomos face ao número tão elevado este ano de inscrições de filmes portugueses, não nos permite exibir várias produções interessantes, as quais acreditamos virão a encontrar outra forma de divulgação entre nós."

Será o número de filmes apresentados a verdadeira razão para não escolher um determinado filme? Qual é o critério então? Os primeiros filmes enviados são os primeiros escolhidos?

La preuve que non...