06 junho 2006

Disciplina



Não vi a famigerada reportagem da RTP1 sobre indisciplina escolar, filmada com câmaras ocultas, identidades ocultas e propósitos ocultos. Li muita da discussão que se gerou e que apresenta duas tendências importantes: uma que considera (mais ou menos) ilegítimos os meios de gravação de imagens, assunto que não deixa ninguém indiferente pelo que traz de prenúncios de uma sociedade controlada; outra que considera insustentável a situação de indisciplina escolar e meritório o debate promovido pelo dito filme.

O que me preocupa não é nem uma nem outra dimensão do problema levantado por este (bizarro) método. O que me assusta são os ecos dessa discussão e os efeitos. O primeiro efeito é ouvir-se extrapolar de 1 caso mostrado para uma situação generalizada de indisciplina escolar; o segundo efeito é transmitir-se a sensação de que este problema “geral” é insolúvel; o terceiro efeito é fazer crer ao senso comum que a escola em geral precisa de mais disciplina e autoridade. A partir daqui tudo pode ser justificável: tudo.

O problema insanável, para mim, é a irresistível tentação humana para generalizar sinais e criar categorias – o mesmo processo básico de qualquer racismo ou discriminação. Neste caso da educação, não há, como alguns já clamam, uma solução definitiva para o “problema” da escola. O problema da escola é um problema que a ultrapassa e tem origem noutros problemas sociais, um dos quais será os 2 milhões de pobres actuais. Como é que a escola sozinha poderia resolver satisfatoriamente um problema que vem de fora?

Mas a escola tem feito milagres, exemplos de tenacidade dos professores são inúmeros, resultados obtidos também. É pena a televisão não saber extrapolar estes casos – mostrar que também há soluções, que cada solução é diferente, que cada caso é um caso, que cada criança é única, que cada família... É pena não mostrar que para haver disciplina não há soluções únicas; que não precisamos de um novo salazar. Mas a voz do dono diz o contrário e as pessoas acabarão por acreditar.

Para mim, isto é um pré-aviso muito claro de um neo-fascismo a espalhar tentáculos na nossa existência quotidiana. É tanto mais evidente quanto surge por meio da instituição omnipotente chamada televisão, dispositivo de controlo remoto dos ânimos sociais. Não tardará muito que as escolas tenham em cada sala uma câmara e polícias "escola segura" a vigiar ecrãs.

Outras opiniões:
http://inquietacaopedagogica.blogspot.com/2006/06/sonhar-com-autoridade-perdida-e.html
http://ocanhoto.blogspot.com/2006/05/arrasto-parte-ii.html

P.S. A reportagem está acessível online em mms://195.245.176.20/rtpfiles/videos/ocas/violencianasescolas20060530.wmv a partir de http://multimedia.rtp.pt/area_home_video.php . Agora que a vi, posso dizer que me parece que a excepcionalidade das situações está suficientemente acautelada na reportagem e no debate que se segue. Mas também não me chocou demasiado aquilo que vi passar-se nas aulas: a indisciplina de andar à luta, de subir acima das mesas, etc. não é nova, lembro-me de coisas piores no pós-25 de Abril, percebo a energia incontrolável daqueles miúdos à toa e desejosos de captar atenções, a fraqueza de alguns professores. Eu própria como professora já lidei com situações semelhantes e sei que cada caso merece uma resposta específica e adequada. Também já filmei em muitas salas de aula, inclusive situações de indisciplina. O erro deste programa está em procurar fazer um diagnóstico global e discutir soluções gerais, a partir de depoimentos individuais. Mas não achei malévolo nem maléfico: pode ser interessante que os espectadores se revejam naqueles casos. O problema é que as pessoas generalizam muito facilmente e logo concluem que o “sistema” está “degradado”, que “isto vai de mal a pior”, que antigamente não era assim, que a escola já não é escola... Tomam a árvore pela floresta, confundem o cu com as calças (tomam a parte pelo todo, ou seja, pensam por menonímia). Mobilizam emoções fortes, mas julgam que detêm a razão. Alimentam o pessimismo e maledicência, duas artes incapazes de contribuir para a solução dos problemas.

P.P.S. Não vejo este “neo-fascismo” como uma ameaça que vem do “sistema”, vejo-o como um estado de espírito perigoso porque alastra do indivíduo ao grupo, porque se aloja no íntimo de cada um como um sentimento de medo. O medo colectivo é o cerne da definição de fascismo.

5 comentários:

Lapierre Médias© disse...

Hello
I like your blog even if I don't all understand :p

Nuno Pires disse...

Je m'interroge également d'un point de vue légal... Voit-on les visages des élèves et des professeurs ? Si oui, comment une chaîne de télé peut-elle se permettre de diffuser de telles images sans l'autorisation des personnes qui apparaissent à l'image et qui ont été filmées à leur insu ? Il y a sans doute des recours juridiques contre de telles pratiques et j'espère que les parents des élèves agiront dans ce sens. Quant à la responsabilité du directeur de l'école, elle est totale. En France ce serait impensable, ça ferait un scandale énorme.

Leonor Areal disse...

O Ministério da Educação pediu um inquérito sobre a legitimidade desse registo: http://news.google.pt/news?hl=pt-PT&ned=pt-PT_pt&q=rtp+indisciplina+escola
ou http://www.tvnet.com.pt/news_texto.php?id=3681

merdinhas disse...

O programa era absurdo e sensasionalista como é costume...

Nuno Pires disse...

"A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) emitiu, na quinta-feira, um parecer demolidor contra a RTP, por causa da reportagem «Quando a Violência vai à Escola», e que visa igualmente quer a sua autora, a jornalista Mafalda Gameira, quer o Conselho Directivo da escola onde o trabalho foi feito."

Continuação do artigo:
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=9&id_news=237804