02 junho 2007

A santificação



Manoel de Oliveira será talvez o primeiro realizador a receber tal distinção: "cineasta do Sagrado"*. O júri do Secretariado Católico Para a Cultura destaca os filmes Acto da Primavera, Le Soulier de Satin, O Meu Caso e Palavra e Utopia. Mas outros há, mais iconoclastas talvez - O Passado e o Presente, pela ridicularização do sagrado matrimónio; ou Benilde ou a Virgem Mãe, desfazendo em perversidade o dogma da imaculada concepção; ou O Convento, habitado pela disputa entre Deus e Satanás - que se prestam a leituras ambivalentes, sem deixarem, claro está, de pertencer ao "percurso de um criador extraordinário, que sempre buscou, a partir do elemento espiritual, alargar a reflexão acerca da condição humana".

Como dizia João César Monteiro, "Manuel de Oliveira, no contexto português, faz parte da pequena minoria de cineastas católicos (os outros são Paulo Rocha e, numa escala bem modesta, o autor destas linhas) para quem o acto de filmar implica a consciência de uma transgressão. Filmar é uma violência do olhar, uma profanação do real que tem por objectivo a restituição de uma imagem do sagrado, no sentido que Roger Caillois dá à palavra. Ora essa imagem só pode ser traduzida em termos de arte, no que isso pressupõe de criação profundamente lúdica e profundamente ligada a um carácter religioso e primitivo."** Ou aquilo que o SCPC cita como "a nossa insaciável fome de Deus".***

* Público de 02 Junho 2007, p. 12.
**João César Monteiro, "Um necrofilme português", Diário de Lisboa (Suplemento Literário), 10 Março, 1972, in Morituri te Salutant, ed. &ETC, 1974.

***José Régio

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