No debate sobre a secção Filmes sobre filmes do Panorama, dois dos realizadores disseram não ter a certeza se os seus filmes eram realmente sobre filmes. Mas, sem dúvida, são filmes à procura do filme.
Malmequer bem-me-quer, ou o diário de uma encomenda, de Catarina Mourão, é um desabafo, relatado em off na primeira pessoa, sobre a impossibilidade de fazer o filme que queria: ora porque os azares se somavam e as personagens não tinham assim tanto que oferecer, ora porque a censura do canal de tv produtor (ARTE) impunha regras e manipulava a versão final, retirando autonomia à realizadora. Uma pressão deste género, intolerável para um autor, só podia levar à rejeição desse sistema de controle que trata o filme como um qualquer produto de consumo e não uma forma de expressão. Esta revolta é o motivo central do documentário, que se assume como um filme que não chegou a ser, pondo todas as suas fragilidades em evidência e instalando no espectador outras dúvidas sobre a validade da proposta (uma abordagem em mosaico de temas relativos à juventude portuguesa) e o interesse das personagens encontradas.
Em Buenos Aires, Hora Zero, José Barahona parte à procura de um (antigo) emigrante português na capital argentina. A voz off na primeira pessoa dá-nos conta dessa procura e a aparição discreta do realizador suporta-a com coerência. Para Margarida Cardoso, comentadora no debate, a presença visual do autor podia ter sido um dispositivo mais assumido; mas ele próprio disse que pensou antes em reforçar a presença subjectiva do comentário off; para mim, o comentário era quase dispensável, e o filme aguentar-se-ia como uma procura, menos explícita verbalmente, mas visualmente nítida, atrás de um personagem que não chega a ser encontrado, mas através do qual surgem outras figuras fortes, expressivas - e nasce uma visão de uma cidade longínqua através das vozes que a habitam. Este é um filme-deriva, que procura uma coisa e encontra outras. O realizador também explicou que o motivo do emigrante visava preencher o requisito de um tema minimamente relacionado com a origem portuguesa do financiamento. Esse compromisso, afinal, parece-me a única fragilidade do filme, mas acabou por resultar numa conversa sobre o papel da primeira pessoa nos filmes.
Bubbles, 40 anos à procura de sabe-se lá o quê, de Helena Lopes e Paulo Nuno Lopes, apresenta-se como uma tentativa de dar sentido à manta de retalhos da vida dos dois realizadores. Estruturado sobre um diálogo escrito, as duas vozes off na primeira pessoa conduzem-nos numa busca por saber onde está a felicidade. Ao longo de muitos anos, de viagens em vários continentes, de descobertas e encontros - documentados com fotografias e fragmentos de filmes, num condensado de percepções, memórias e desejos - seguimos este casal à deriva. O filme é um balanço de uma vida de peripécias e indecisões, até que – porque a felicidade nunca está onde a procuramos – o sentido do filme, que aqui é o sentido da vida, é encontrado com o nascimento do primeiro filho.
Quando um realizador se expõe em pessoa na obra, temos que admirar a sua coragem, mas é difícil não interrogar o seu narcisismo. O jogo da auto-reflexividade não é nada fácil, é talvez o mais arriscado, e a sua vulnerabilidade obriga-nos a ser mais cautelosos no criticismo. Em contraste com aquela exposição ponderada, surpreendeu-me ver (nos debates) a petulância de alguns realizadores novatos - os que ainda acham que fazer filmes é fácil (e são autores de obras indigentes). Aqueles que já aprenderam como é incerta a tarefa, têm mais dúvidas e pouca jactância; têm mais prudência ou modéstia (por muito que o seu ego seja tão grande como todos os demais).
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