06 fevereiro 2006

Visões


Quando se é realizador, por vezes é difícil ver filmes alheios sem pensar logo: fazia isto de outra maneira, trocava os planos na montagem, começava o filme por aqui, etc. Quando os filmes que vemos são dos nossos colegas próximos, creio que o criticismo é ainda mais acentuado. É a chamada deformação profissional. Não há como evitá-lo, é da nossa natureza.

Um realizador, por inerência, tem sempre uma visão diferente da dos outros. Tem uma urgência própria de fazer, pensar, moldar, ler e escrever filmes que o impede de aceitar passivamente qualquer filme. Quer apropriar-se dele, mas muitas vezes ele não deixa, porque não nos satisfaz. Outras vezes, consegue agarrar-nos, vence resistências, impõe a sua visão. Aí agradeço ao (outro) realizador ter conseguido emocionar-me ou ter-me levado a uma outra dimensão. Tive acesso a uma experiência nova.

Porém, há dias em que não podemos ver nada. Todas as imagens que nos assaltam vêm perturbar um mundo que andamos a construir, uma visão que procuramos sonhar, um olhar sobre o real que seja uma descoberta, que não caia na vulgaridade, que não pertença aos outros, que nasça em nós.

Por um lado, somos os melhores espectadores que há, hipersensíveis e conscientes, por outro, devemos ser os piores: exigentes, obcecados, caprichosos.

(Foto de Se podes olhar vê, se podes ver repara, de Rui Simões)

Sem comentários: