11 março 2007

Há 50 anos (4)



«Estrelas e bolas pretas
O critério de Roberto Nobre

A crítica por meio de bolas e estrelas foi inventada pelos Norte-Americanos como um meio prático, rápido e amorfo dos leitores, sem sequer terem o trabalho de ler, acreditarem em que uma película é boa ou má. Ora, o essencial não está na bola preta, está em saber porque foi dada. Confesso que, ao ver algumas bolas pretas de certos colegas na classificação, fico cheio de interesse de assistir aos filmes. Quando alguns não gostam, já eu sei que vou gostar pela certa. Não sucederá o mesmo ao leitor a meu respeito?

Sou dos que desejam um público consciente da razão por que aplaude ou rejeita e não um rebanho que aceita as bolas e as estrelas que eu ou qualquer outro lhe largamos. Esse sistema implica condenações e absolvições peremptórias, como num tribunal, em que o réu é julgado num número de anos, maior ou menor, conforme a culpa que lhe é, ou não, agravada. Em arte não há uma lei fixa e o génio criador torna, por vezes, defeitos em qualidades. Além disso, o sistema veda os sentidos didáctico e cultural que estão implícitos na função da crítica de espectáculos, mesmo quando feita rapidamente em jornais diários.

Em consciência, por mim, não sei, na maioria dos casos, qual a classificação que devo atribuir, pois ela tem de atender, no caso do cinema, a vários aspectos díspares, entre os quais se destacam: o tema, a sua exposição ficcionista, os valores estéticos de arte cinematográfica e o apuro técnico. Uma obra prima será a que reúne tudo isso. Uma película execrável aquela em que nada se salva. Esses pontos extremos são difíceis de indicar. Já não o são os intermédios e estes tornam-se os mais importantes. (...)

Gosto de conversar sobre filmes com o meu semelhante. Não me sinto crítico (ou juiz) de qualquer arte. Gosto de explicar as qualidades e defeitos que encontro. Ao ter de os apontar, esclareço-os perante mim próprio. O leitor, se acaso tem a coragem de me ler, discutirá mentalmente comigo os pontos de vista por mim apontados, que são uma análise e não uma classificação por bitola. Auxiliar o espectador a que examine, levá-lo a isso, julgo ser o necessário na actividade do comentador, pois tal o habituará a não aceitar o cinema como um espectáculo oco que distrai ou aborrece, e sim como uma arte que se compreende e sente, verificando-se intelectivamente o que nela há que nos leve a pensar e a sentir. Nunca, portanto, acharei eficaz um julgamento peremptório por estrelas e pontos negros que, além de ser difícil de fazer em consciência, leva a erros de interpretação por parte do leitor, uma vez que fica a desconhecer os aspectos a que damos ou retiramos o nosso aplauso. (...)

Confesso que não sei esclarecer tudo isto por meio de estrelas e bolas negras. Não vejo nisso mais do que uma curiosidade jornalística para cotejo de opiniões, de modo ao leitor verificar quais são os votos que acertam, ou não, com os seus próprios. É uma espécie de jogo, no qual também entro, quinzenalmente.»

Roberto Nobre, in Diário de Lisboa, 25 de Setembro de 1956

Foto de Moby Dick (1956) de John Huston, com Gregory Peck, filmado parcialmente nos Açores.

1 comentário:

João Soares disse...

Viva
Parabéns pelo teu trabalho.
Todos somos poucos em defesa da Terra, pelo tempo que urge em mudar.
Por isso coloquei um link do teu blogue no Bioterra!
Preparei um dossier Educação pelo Desenvolvimento, Ambiente, Paz e Não Violência no Bioterra http://bioterra.blogspot.com
que pretendo o mais extenso possível, como que um MANIFESTO comum, alertando os leitores do meu blogue que existem imensas possibilidades para a Paz e Cooperação Ambiental e quantas associações disponiveis a nivel local,regional e global que estão empenhadas neste espírito.
Já agora agradeço a maior divulgação deste dossier e se colegas seus tiverem páginas pessoais e/ou blogues me escrevam para trocarmos os links. Teria muito gosto ainda de enriquecer o dossier com contributos.
Um abraço e Paz a todos os seres viventes
Joao Soares