11 maio 2007
Hollywood, Portugal
«Nunca fui ambicioso de dinheiro, que reputo o maior dos males necessários. Ambicioso, sim, e de que maneira!, de paz de espírito, de conhecimentos, de amor, de amizade, de gostar de gostar... Por singular ventura, nem tudo o dinheiro compra. As melhores coisas do mundo, não há dinheiro que as pague!... Por isso, a intenção de ganhar mês a mês o que em toda a vida não ganhei ficou aquém daquelas noções elementares de brio e de dignidade que aprendi em pequenino. Conquanto não sequioso de dinheiro, sem dúvida que a chuva de dólares em perspectiva (com um convite para trabalhar em Hollywood, em 1939) possuía inegáveis atractivos. Com ela, poderia concretizar muitos sonhos que irão comigo para a cova: um laboratório para determinadas investigações científicas, um iate à prova de ciclones, um fishing cruiser para a pesca grossa, uma casa nas Bahamas, outra na Polinésia, correr o mundo atrás do verão sem carecer de previamente me subordinar a cálculos milimétricos de despesas, poder substancialmente ajudar uma data de gente que o merece, etc. - cabendo neste "etc." tudo o que é agradável de com deleite efectuar ou saborear. Simplesmente não pôde ser, não podia ser. Demais a mais - apegado a um idealismo romântico (admito que se classifique de idiota, não me ofendo...)-, o partir para a América, virando as costas ao tão sonhado sonho dum cinema português, aparecia-me como acto condenável: renúncia, fuga, deserção, cobardia... A verdade era que intimamente ansiava por um pretexto para não ir. Afinal, nem pretexto foi preciso, pois surgiu um obstáculo sem possível remoção. O contrato, a que só faltava a minha assinatura, teria duração de cinco anos, durante os quais eu dirigiria quatro filmes por ano. Contudo, encerrava um cláusula a meu ver inaceitável: a casa produtora californiana ficava com o direito de exibir os meus filmes no todo ou em parte, de fraccioná-los, de alterá-los, de lhes juntar novas cenas se assim o entendesse - enfim, podia fazer deles tudo o que lhe aprouvesse, desde pentes de algibeira a cabos de guarda-chuva, pensei eu... Notados ao produtor-delegado os meus reparos a essa cláusula, o "caso" arrastou-se por três dias em infrutíferas conversas telefónicas de cá para a América e da América para cá. "Que o contrato era igual para toda a gente, que se tratava de um pró-forma, que eu deveria compreender que a companhia não poderia eliminar qualquer cláusula por uma questão de princípios..." Ora comigo passava-se exactamente o mesmo... "Que, perdão!, a companhia é que deveria compreender que só por uma questão de princípios é que eu não poderia aceitar essa cláusula..." O Jean Renoir, então hospedado no Avenida Palace onde as conversações tiveram lugar - e que assinou idêntico contrato -, bem se esforçou por me convencer a acompanhá-lo, mas não pôde ser, não podia ser...»
Jorge Brum do Canto, in Observador, 1973, citado no catálogo da retrospectiva na Cinemateca de 1984.
Foto de A Canção da Terra (1938) de Jorge Brum do Canto.
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