12 dezembro 2005

Manicómio (2)



La moindre des choses é um documentário de Nicolas Philibert filmado numa “clínica psiquiátrica” dos anos 90, que podemos comparar com o “manicómio” San Clemente de Depardon. A maior diferença, para além de o filme ser a cores e logo menos contrastado, é que estes doentes, embora enfrascados em químicos como os outros, têm ocupações: na cozinha, no atendimento telefónico, desenhando e fazendo teatro. Actividades cuja acção terapêutica parece notória e que os aproximam de nós (os que os observamos) muito mais do que se apenas os víssemos pela diferença que têm, pelo seu desajuste, essa coisa mínima que, para nós, é sinal suficiente de uma desadequação maior.

Aliás, não há equívocos. Desde os primeiros planos, em que vemos passar a distância alguns dos personagens, percebemos que eles são doentes mentais. A mínima coisa é suficiente: um braço descaído, um passo trocado, um vaguear. Depois o realizador aproxima-se e vamos conhecendo alguns deles, através da reacção de descoberta da câmara e da relação com o seu operador, que por vezes os interpela como conversando, e ao qual respondem sem receios. Desde o início percebemos que esta câmara é cúmplice e amiga. E isso faz de nós, espectadores, que por intermédio dela vemos, cúmplices e amigos. Poderei chamar a este processo tão simples: transferência do olhar.

Mas estas pessoas são fechadas, são prisioneiras de si-mesmos num mundo do qual é quase impossível sair ou entrar. E no entanto, elas participam das tarefas sociais – entre as quais se destaca a preparação de uma peça de teatro – com uma receptividade, e um prazer de assumir outras personagens, que torna difícil, para nós, distinguir precisamente doentes e enfermeiros, distinção que o olhar do realizador faz diluir propositadamente.

Neste olhar sente-se sobretudo uma gentileza. E uma capacidade de contar uma história - feita de coisas pequenas com grande importância - por meio de uma linguagem cinematográfica que constrói personagens e encadeia as acções. A atenção ao gesto mínimo, e à dificuldade máxima, fazem deste filme uma espécie de encontro com vivências humanas vitais mostradas na sua relação ténue com o real envolvente.

(Visto no IFP, dia 09/12/2005, no ciclo “O mundo é um grande asilo”)

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