03 dezembro 2005

O olhar crítico



Quando se fala de olhar crítico num documentário, podemos estar a pensar em várias coisas ao mesmo tempo e a baralhá-las.

Há um primeiro olhar - visual e selectivo – que é o filtro do momento de registo, uma opção de enquadramento e do foco de atenção pessoal, resultando numa determinada imagem em que se expressa uma escolha por um só aspecto do real filmado em vez de qualquer outro.

Um segundo olhar – subjectivo e crítico – é aquele que mais tarde, no trabalho de argumento e montagem, relaciona os diferentes aspectos captados do real, criando uma espécie de discurso (verbal ou visual), aquilo que metaforicamente se chama ponto de vista, ou ainda, perspectiva, ou visão, mas que deveria ter uma expressão literal para a qual realmente não encontro termo certo. Também não é opinião, nem posição, nem convicção, nem versão...

É a essa coisa sem nome próprio que chamamos afinal o olhar crítico. Crítico porquê? Para destacar que não é um mero olhar. E para salientar ainda que há uma vontade por detrás desse olhar. No entanto, facilmente, o adjectivo crítico pode ser entendido no sentido de crítica, expressa ou implícita. Assim, as pessoas leriam uma cena ou um filme em função duma possível crítica contida nele. É uma abordagem válida eventualmente.

Mas, para mim, ter um olhar crítico não significa fazer crítica. Aliás, como documentarista, sou incapaz de criticar os meus protagonistas. Tomo-os como eles são, compreendo-os e gosto deles. Penso sempre neles como os destinatários primeiros do filme que os retrata perante a sociedade dos futuros espectadores. Excluo cenas em que julgo eles não gostassem de se reconhecer. Não tenho a certeza de acertar, mas essa é minha atitude.

É também natural que o público não venha a ser tão compreensivo como eu. Claro, uns gostam, outros não. Uns aplaudem uma educação dos afectos com uma abordagem sensível das questões da sexualidade, outros criticam os eufemismos e a falta de explicitação dessa abordagem. O filme, aí, voltou a fazer parte da vida das pessoas. Cada um vê nele o que lá quer encontrar.

Para mim, o olhar crítico significa – no ensino, na medicina, no documentário ou em qualquer outra área – saber diagnosticar uma situação, perceber-lhe os pontos críticos ou vitais, ou seja, os aspectos que são importantes para caracterizar uma tal realidade, observando-a na sua constituição, funcionamento, tensões, desajustes, problemas.

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