A exposição Anschool, de Thomas Hirschhorn, apresenta, em Serralves, uma visão delirante da escola. Primeiro, a escola toma forma a partir das suas cadeiras e carteiras alinhadas. Depois, usando as técnicas do bricolage escolar – feito de materiais pobres: cartões, revistas recortadas, fita-cola, canetas de feltro, alguns livros – expande-se exuberantemente enchendo as paredes de mapas disformes e cartazes manuscritos com grandes textos filosóficos, inúmeros cartões de recortes que digerem pacificamente as mensagens dos media, pilhas de fotocópias que o visitante recolhe para ler mais tarde, etc. etc.
Parece uma demonstração do que aconteceria se a escola fosse deixada sem professores e se reproduzisse livremente como um tumor benigno a partir dos materiais elementares, as técnicas ensinadas e os ecos da civilização recolhidos como lixo reciclado. Aliás, Thomas Hirschhorn é como um aluno diligente que nunca tivesse saído da incubadora escolar e se afincasse a reconstruir alegremente ad infinitum o propósito central da escola. A repetição cíclica das aprendizagens, das descobertas, das mensagens, é um retrato de uma escola de onde desapareceu a tutela professoral e onde se reflectem como num espelho deformado as vivências dos seus habitantes, neste caso o mundo segundo Thomas.
Sem controlo superior, a criança amestrada e seus exercícios fazem irromper, como ervas daninhas luxuriantes, visões adjacentes que provêm do mundo exterior, tipo invasão de cogumelos ou praga de gafanhotos, que num processo de proliferação intensa (ele trabalha por uma população de centenas de alunos) enchem as paredes livres que rodeiam as carteiras e cadeiras alinhadas segundo o propósito de reprodução infinita da ordem do mundo e dos saberes.
Como a densidade aqui é muito maior do que em qualquer escola real, chegamos a pensar que não é possível um só homem produzir tanto e que ele deve ter os seus discípulos, acessores, operários, hordas de mãos a dar à fita-cola e à tesoura e à cola. (Gostava de ter filmado a montagem desta exposição.)
Os mapas-múndi com ‘tumores’ localizados sugerem o mundo como um corpo humano – que finalmente, na última sala, vamos encontrar representado por manequins com suas excrescências análogas e através das extensões que são os quartos alinhados (tipo ikea de bonecas), todos com cama, candeeiro, espelho, televisão e recortes nas paredes, enfim, o indispensável numa ilha deserta que é qualquer apartamento.
Os escritos teóricos que enchem as paredes e se multiplicam em pilhas de fotocópias, traduzindo reflexões para-filosóficas do artista enquanto tal, pouca relação têm com a parte 3D da exposição, numa espécie de desajuste cúmplice entre teoria e prática.
O exercício da liberdade é empolgante. As suas invenções deixam-nos de boca aberta e surpreendem-nos para além dos limites do que tínhamos imaginado (quando andávamos na escola). Isto é uma descoberta tão curiosa como exótica. Um devaneio sobre a escola como lugar de inscrição e oficina de moldagem, segundo o método da reprodutibilidade manual.
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