10 maio 2006
Imagem-música
O filme de Edgar Pêra, Movimentos Perpétuos - Tributo a Carlos Paredes, é uma espécie de sinfonia-visual construída sobre a banda-sonora de um concerto de Carlos Paredes em 1984 no Porto - cujas músicas o próprio intercala de intervenções orais em jeito de conversa com o público onde se revela o universo humano-e-musical do compositor-guitarrista - e sobre cuja estrutura de números Edgar Pêra organiza os 17 “movimentos” que constituem este filme e a base da sua invenção cine-visual.
O filme intercala ainda vários depoimentos de amigos, contribuições para uma biografia, único recurso que o aproxima do estilo documental-panegírico. Aparte essa concessão, as imagens, captadas em super8, riscadas, atravessadas de interferências, movimentos, surpresas, têm uma cadência que impede a sua descrição e pede para serem vistas e revistas, como quem vira o disco e toca o mesmo. É uma viagem hipnótica conduzida por um cineasta delirante e um músico exultante e barroco.
Mas a hipnose é relativa, pois o que o filme provoca é um estado-aumentado-de-consciência que, acompanhando uma estrutura simples e linear, nos deixa pensar melhor: pensar musicalmente e pensar visualmente, duas formas de actividade altamente abstractas – que não implicam discursos, sentidos nem verbalização – mas implicam a sensibilidade, os afectos e as memórias - e se conjugam perfeitamente.
A música-prodigiosa e a voz-maviosa são de Paredes, sem disfarces, mesmo se Pêra faz uns truques (mudança de registo sonoro ou repetições) que são explícitos, intervenções claras. A imagem corre em simultâneo como uma outra-música: um encadeamento de instantes plásticos, sensações cromáticas e alusões poéticas, um fluxo de encantamentos fugazes, imagens breves de impacto longo, memórias retidas no movimento, gestos de evocação, melodia cinética, errante, berrante e matérica.
A imagem, aqui, tal como como a música, não é memória do passado, apesar de este ser um tributo póstumo; é a memória em estado bruto, instantes fixados, momentos que perduram, junto com a música com que casaram.
(Em exibição em Lisboa, Porto e Coimbra.)
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1 comentário:
Muito bom texto, creio que reflecte por inteiro o filme na complexa simplicidade.
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