26 maio 2006
Recorrência
As recorrências, na obra de Pierre Perrault, mais do que definirem um estilo de autor, salientam as diferenças e as soluções originais de cada filme e oferecem-nos os benefícios do método de leitura comparativa. O “reino”, esse, continua o mesmo. Preocupado sempre com uma visão histórica e identitária do Quebeque, e menos poeta do que o epíteto com que ficou marcado, em “Le retour à la terre” (1977) Perrault liberta-se totalmente do discurso indirecto. Já não é o manipulador exímio das frases alheias, é sobretudo o seu relator crítico e omnisciente.
O método, simples e maravilhosamente aplicado, consiste na alternância estrutural entre as opiniões políticas de um camponês em campanha eleitoral nos anos 70 e o discurso oficial das autoridades coloniais em filmes dos anos 30. Entre um registo e outro, a 40 anos de distância, os tópicos são os mesmos: como foram colonizadas as terras, os sacrifícios por que passaram os agricultores-pais, o esforço de construção de uma comunidade, o apoio do poder central e, mais recente, a provável extinção desta economia de sobrevivência pelo desprezo estatal e pelo fecho das escolas locais.
Entre o registo oficial dos anos 30 – propaganda sob a forma jornalística, com valsas vienenses sobre imagens de índios – e o discurso de oposição e reinvindicação do candidato dos anos 70 e seus interlocutores, não podia haver maior disparidade. E não é uma questão de época ou de linguagem; é a negação completa – orquestrada pelo realizador - de uns factos pelos outros, uma acusação frontal sobre a exploração de que os agricultores (e os índios) foram objecto. Resulta dessa contradição factual, cotejada em sequência, uma percepção altamente irónica dos discursos de uns e outros, discursos que Perrault mantém em estado bruto, respeitando-os na sua autonomia ideológica; mas alinhando pelo candidato da região de Abitibi, protagonista recorrente de outros documentários de Perrault: Un royaume vous attend (1975) e Gens d'Abitibi (1980).
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