06 abril 2006
Genealogia (2)
Comizi d’Amore (Comícios de Amor), documentário-inquérito de Pasolini (1964), sobre a sexualidade dos italianos, serviu de matriz para este outro Comizi d’Amore 2000, de Bruno Bigoni, remake assumido que utiliza as próprias perguntas de Pasolini, e a sua voz no filme original, para voltar aos mesmos lugares e entrevistar as mesmas personagens-tipo. Do diferencial entre umas e outras respostas, teremos uma medida da evolução dos costumes no tempo de uma geração.
As crianças já não contam a história da cegonha e sabem que foram geradas na barriga da mãe. Só não sabem é como foram lá parar. As mulheres manifestam-se muito mais numerosa e abertamente que nos anos 60, assumem a igualdade, embora acusem ainda a existência de preconceitos sociais em relação à sexualidade, havendo ainda muitas (as mais velhas, sobretudo) que defendem a virgindade como um valor. Os pais rurais continuam a limitar às raparigas os encontros com o namorado.
Em relação à prostituição, as opinião são quase as mesmas de há 40 anos – a preferências pelos bordéis (que tinham sido fechados por altura do documentário de Pasolini e assim continuam), pois permitiriam controlar e cuidar das mulheres e da sua saúde, ao contrário da prostituição de estrada – mas Bigoni foge ao guião original, não conseguindo entrevistar algumas dessas trabalhadoras da rua.
Onde se nota maior evolução das mentalidade é na aceitação e na compreensão da homossexualidade. Não havendo qualquer unanimidade, a diversidade de opiniões, leituras e fantasias é tal que percebemos ser esta uma área de representações sociais em plena mutação, tal como o era a libertação da mulher nos anos 60.
Que hoje há menos tabus em relação à sexualidade é uma evidência para todos, mesmo sem vermos este filme. Estranho é que, em 70 minutos, haja uma só referência à SIDA. A omissão deste problema não se compreende, senão como atavismo do realizador que, colado ao guião original passo a passo, deixou cair o juízo crítico e a capacidade para actualizar questões e diagnosticar novos problemas. Ou não ousa ainda falar desse novo tabu?
Que sentido poderá fazer este documentário daqui a 40 anos (quando já houver vacina contra a SIDA...)? Terá o valor histórico que hoje tem o primeiro? Na verdade, entre um e outro documento-histórico as diferenças são meramente evolutivas, percentuais talvez, pois os paradigmas ideológicos representados são os mesmos. Juntos comprovam como a evolução dos costumes e das mentalidades é um processo lento, multiforme, disperso e incoerente.
Embora preso ao guião original, Bigoni moderniza o seu filme pela inserção, em vez dos comentários e frases de Pasolini, de intermezzos tipo teledisco, imagens saltitantes filmadas em Super8, estilística na moda mas despida de motivação. Onde Pasolini reflectia sobre o seu método e convocava Moravia e outros para discutir os resultados da sua pesquisa através de Itália, Bigoni limita-se a fazer um produto televisivo, picante mas sem problemática, com muita música, muitas imagens ópticas, a caução do plágio assumido como homenagem, e a pretensão de um estudo sem reflexão.
(Visto na Cinemateca em 5 de Abril.)
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