12 abril 2006

Paranóia (3)

Desta vez fui eu a vítima contrariada da câmara de outros, uma câmara escondida numa carrinha preta de vidros negros, enquanto um rapaz jovial me interceptava no passeio: "A Gronelândia fica no hemistério norte ou no hemisfério sul?" - "No hemisférico norte, porquê?", perguntei eu, sem qualquer suspeita. "Acertou, obrigado por estar desprevenida", diz ele e dá-me 10 euros de prémio e afasta-se. Chamo-o: olhe, não quero os 10 euros, tome lá. E ele fingindo ignorar-me, ao fim de algumas insistências, lá me vem dizer que é para um programa da SIC. A parte cómica do "apanhado" é aquela em que recuso a nota e faço de parva, não a da pergunta inicial, apesar desta jogar com a minha inocência.

Depois aparece o "produtor" com um papel para eu assinar a autorização. "Olhe que ficou muito bem, não tem mal nenhum, nunca viu o programa?" Não vi de facto, nem assino, nem explico porquê. Há muitos anos que tenho a certeza de que não colaborarei num desses programas. Apesar de, no fundo, lhes achar tanta graça como toda a gente e de lhes reconhecer até um mérito raro: a capacidade para desmanchar o senso comum, a possibilidade de escalpelizar uma série de comportamentos-padrão, uma forma de diagnóstico cultural que nenhum outro meio obtém. Mas não consigo evitar a repugnância pelo método e o efeito de risada alarve que se sobrepõe à perplexidade latente. A carrinha negra (que por falta de presença de espírito não fotografei), essa então, acho sinistra.

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