25 abril 2006

A imagem-matéria (1)



Estados da Matéria, curto filme de Susana Nobre, reúne fragmentos da vida quotidiana de uma mãe e uma filha pequena, centrando-se em duas cenas principais que não se encadeiam como sequência narrativa, mas participam de um sentido autónomo inflectido por um texto que fala de um sonho e seu desencantamento. A matéria deste filme é feita da matéria da vida.

Outro filme curto, Serpente, de Sandro Aguilar, começa com imagens de um bebé recém-nascido, passa depois para uma menina pequena a quem vestem e despem num espaço de contornos espelhados e abstractos, e daí para a observação insistente dos manequins na montra de uma loja de fatos de baptizado, nocturna e pesada de sombras. São imagens fantasmas, ou fantasmas que se representam na sua materialidade imediata, sem mediações de sentido, sem voz, sem contexto.

Ambos os filmes usam a matéria da vida como objecto de trabalho e pensamento. A matéria da vida coincide aqui com a matéria do cinema. E a imagem é esse estado da matéria que resolve a (obsoleta) oposição entre real e virtual, entre ficção e documentário, entre representação e vida. A imagem não é já uma forma de mediação do real inacessível. A imagem é o real tangível. É a imagem-matéria.

(Filmes vistos no festival IndieLisboa)

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