25 setembro 2005

As imagens fascinam


Os filmes de Bruce Conner trabalham sobre isso. São feitos de colagem de restos de outros filmes (found footage): filmes publicitários americanos dos anos 60, filmes de reportagem ou televisão, filmes desconhecidos de arquivos militares, etc.

Por si só, estas imagens atraem, cativam, prendem. Mas a sucessão descontextualizada desses fragmentos apropriados gera um efeito hipnótico. E hoje, ao fascínio das imagens e do processo de colagem, acrescenta-se a estranha sedução das imagens antigas. Toda a montagem, por definição e natureza, cria um sentido, mas aqui a sua sequenciação aparece acrítica. O que vemos é o ‘valor imagem’ multiplicado de várias formas, pela diversidade, pela repetição. O valor de uma imagem é acentuado através da redundância. E enquanto ela exerce o seu fascínio, ela fascina. Um gesto de braços de mulher, polirrepetido, fica impresso na mente como imagem-síntese, transforma-se em ícone.

Um dos filmes repete n vezes os momentos que antecedem o assassinato de John F. Kennedy. Depois vem o ecrã neutro sobre o qual se ouve o relato radiofónico do acontecimento em directo, sem imagens, portanto. Voltam as imagens em loop insistente. Já não as esqueceremos, porque fomos alvos desse bombardeamento. (Como não conseguimos evitar ver um choque contra os prédios cada vez que um avião desce sobre a zona alta de Lisboa.)

Crossroads (1976) mostra uma explosão atómica experimental no oceano Pacífico (atol de Bikini, em 1946). O primeiro plano mostra um mar com barcos e ouvem-se os pássaros. Dá-se a explosão: o cogumelo atómico sobe, toma forma, espalha-se. A sua beleza é fascinante, como a de uma árvore, uma paisagem, um fogo de artifício. Dez ou vinte segundos depois, chega o som, após percorrer alguns quilómetros. Só então ouvimos a explosão e se calam os patos. E ela espalha agora os seus cúmulos-nimbos que cobrem lentamente os barcos pousados na água. O ruído diminui até se ouvirem de novo alguns sons de natureza viva. Durante mais de meia hora repete-se a mesma explosão filmada de outros pontos de vista, terrenos, aquáticos ou aéreos. Entretanto o ruído de explosão foi substituído por música. O fascínio persiste ainda por algum tempo, mas aos poucos a explosão perde significado, perde o encanto da primeira vez, e o seu efeito hipnótico dilui-se na música agradável que sustenta o nosso olhar já neutralizado e porventura entediado (eu já bocejava, outros fechavam os olhos). E assim passámos do fascínio à indiferenciação, por via experimental.

(visto ontem na Culturgest/ExperimentaDesign)

1 comentário:

Farkas disse...

bem-vinda Leonor
com amizade
n