18 abril 2006
Episódio (3)
Recuando na memória, lembro-me de outro caso ainda mais sinistro passado na Culturgest durante o último festival DocLisboa, precisamente numa das sessões finais de filmes premiados. Cheguei sobre a hora, estava a começar a sessão, e mostrei o meu bilhete à porta da sala para entrar de imediato. Mas não deixaram, disseram-me que tinha que recuar 20 metros, da porta lateral do grande auditório até ao cimo das escadas, onde deveria esperar que fossem chamados e levados, um a um, os espectadores pacientes. Só que eu sou nada paciente quando estou atrasada e não gosto de perder o início dos filmes, por isso avancei dizendo “está aqui o bilhete, quero ver o filme, vou entrar”. Os dois arrumadores que obediente e lentamente têm por missão guiar os passos dos clientes, disseram que não podia entrar sozinha porque estava escuro, eu retorqui que não precisava de ajuda, que via bem e depois me sentava. E fiz menção de entrar pelo corredor, quando salta um segurança à minha frente, me agarra violentamente pelos ombros, magoando-me e obrigando a afastar-me 10 metros. Eu - subjugada e aterrada - ainda assim clamei que ele não tinha o direito de me tocar ou impedir de passar, que não se tratam os visitantes como se fossem terroristas, e exigi que me desse o nome para futura queixa. E lá fui para o fim da fila, rosnando alto a minha indignação incomportável no meio do salão vermelho, perante a paciência bovina dos demais espectadores e a frieza robótica dos arrumadores. Não demorou muito que, diante da minha inconveniência, viessem rapidamente fazer-me entrar pela porta do outro lado, passando à frente de todos os outros da fila.
O episódio foi tão perturbador que só ao fim de meia hora consegui acalmar e entrar nos filmes. Tão desagradável a sua memória, que a queixa - que não poderia deixar de fazer - a fui adiando - e não fiz - apenas para evitar ter de reviver o acontecimento e acordar as emoções da indignação e da violência sentida.
É recente, mas não é inédito, este clima profissional de obediência estrita a ordens superiores, que são aplicadas e impostas aos visitantes/espectadores/clientes/cidadãos/consumidores qual carneirada. Uma Culturgest não é diferente de um Colombo, a técnica de relações públicas é a mesma: a obediência. Não há lugar para excepções, ainda que a regra seja estúpida e arbitrária. Quem ali trabalha é pago para não pensar, ou julga que é pago para isso. Ou não pensa, porque esse é o seu mundo, o mundo das hierarquias estreitas como uma escadaria e da represália como sistema de regulação mental. É isto o fascismo interior.
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4 comentários:
"Só que eu sou nada paciente quando estou atrasada e não gosto de perder o início dos filmes".
Cara Leonor Areal, não acha que esta frase explica pelo menos uma parte do que vai mal neste mundo, e uma parte também daquilo de que se queixa?
É uma velha mas, snif, actualíssima piada. Um soldado nazi está a ser julgado. Perguntam-lhe se é inocente ou culpado. Ele responde: inoncente.
Porquê?
"Eu estava apenas a cumprir ordens."
Outro nazi, este general, está também a ser julgado. Diz a mesma coisa: inocente.
Porquê?
"Eu estava apenas a dar ordens."
O uso animais em situações de vigilancia banal começa a ser cada vez mais comum. Na estação de S. Bento no Porto, correr para um comboio suburbano que só circula de hora a hora, já me valeu uns bons sustos. Quando ao teu caso, só me apetece dizer: ainda bem que nao tinham cães. Sendo na culturgest já devem estar a tratar disso.
Quando à situação em si, bemmm incrivel, ser assim agarrada por um brutamontes raivoso qualquer, enfim, estiveste bem, se fosse comigo acho que o mordia.
Acho engraçado questionarem apenas os comportamentos acéfalos e a paranóia da segurança, e os comportamentos que os originam não. Para mim nada justifica agarrar, perseguir, tratar mal pessoas que estão a usufruir legitimamente de um espaço. Mas ninguém se incomoda com o que originou essa resposta? Lá porque a reacção é má, desculpa-se e ignora-se o que a originou? Porque é "chique"?
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