Os blogues, na sua novidade recente, são um fenómeno que suscita inúmeras reflexões sobre a sua natureza, como tem vindo a fazer José Carlos Abrantes, nos debates Falar de Blogues, organizados na Livraria Almedina. Aliás, quase todos os blogues fazem uma meta-reflexão de propósitos, orientações e motivações, seja no cabeçalho, seja nos posts fundadores. Nunca o fiz aqui, mas, depois ter sido convidada para aquele evento, proporcionou-se a ocasião. Apesar da falta de definição expressa, este blogue enquadra-se no género “temático”, tão claro surge para quem o visita que o seu assunto principal é o documentário.
A razão por que decidi dar-lhe início foi tão de ímpeto - de um dia para o outro – que é difícil explicá-la senão como uma urgência pouco ponderada. Treinei-me, ainda em fase experimental e incógnita, durante uma semana, mas depois já não podia voltar atrás, tinha que vencer o meu próprio desafio. Foi nesse período de formação nebuloso, que lhe encontrei a forma e se autodefiniu com alguma clareza o significado dos sufixos tão vagos como “doc” e “log”. Ter encontrado essa forma permitiu-me continuar numa linha editorial já sem grandes oscilações.
Com essa definição temática ou, melhor, territorial, também procurava evitar a dispersão, o falar à toa (não me importo de o fazer, desde que não fique escrito) ou a deriva inconsequente. No entanto, esta convergência temática é aparente, porque como cada documentário fala sempre de outros assuntos, acabei a dar opiniões sobre coisas de que pouco sei (saúde mental, política, etc.). Mas, se o faço, é afinal porque a experiência que um documentário oferece nos possibilita esse aprofundamento de um assunto que não era próximo.
Por outro lado, desejava encontrar diálogo (respostas, comentários ou apenas leitores) numa área em que sou espectadora assídua – o documentário – e em que trabalho. Iludi-me nessa expectativa: o diálogo propiciado pelos blogues do género "conversa-de-café" é muito mais vivo do que aquele que os meus textos construídos podem suscitar. Será difícil discuti-los ou comentá-los, sem que isso obrigue o interlocutor a dedicar-lhe horas de escrita, na condição prévia de ter visto os mesmo filmes... Apesar de tudo, a polémica aconteceu com o blogue Ainda não começámos a pensar: uma boa polémica que nos obrigou a pensar.
Ao fim de mês e meio de postagens diárias, por auto-imposição, percebi que tinha poucos leitores, poucas respostas, logo, poucas obrigações. Abrandei a actividade e passei a escrever só se me apetecer, o que também é uma forma de evitar contribuir para o lixo universal e minorar a inconsequência. Aliás, para controlar o factor emocional desse apetite, escrevo num dia mas publico só no seguinte, depois de rever e corrigir o texto, segundo uma velha regra de uma bisavó: “quando receberes uma carta, responde logo, mas manda só no dia seguinte”.
Com tudo isto, ganhei muito: o exercício permanente da escrita; a reflexão sobre documentário, cinema, video-arte, etc. Consegui ainda superar os dilemas de me expor pessoalmente e encontrei um certo equilíbrio em moderar a crítica sem perder a opinião. Porém, às vezes, não resisto a fugir ao meu espartilho, quando um assunto me incomoda demais (por exemplo, as sondagens presidenciais) ou me interessa muito... Outras vezes, vigora a lei universal do menor esforço: no mês de Março só escrevi 3 vezes. Peço desculpa aos visitantes habituais, pois nada é mais frustante na blogosfera que andar a bater às portas e encontrar blogues murchos. Mas o leitor comodista também tem obrigações: se há falta de estímulo o bloguista torna-se preguiçoso.
O blogue é – afinal - o pretexto que me faltava para poder escrever. Dantes escrever um artigo de opinião era uma acção altamente motivada: tinha que haver onde publicar, ou era preciso inventar jornais, organizar, reunir, imprimir, distribuir, etc. Hoje basta a vontade e o pretexto/o meio. Mc Luhan continua a ter razão: o meio é a mensagem. Este novo meio – o blogue - é o nosso pretexto para comunicar, tal como os cafés de outras épocas e as tertúlias. Parece que não sabemos, os humanos, senão comunicar, mas comunicamos diferentemente conforme o meio. Assim, já ninguém é obrigado a escrever para gaveta, ou sequer para a boa vontade dos amigos. Hoje acabou-se o complexo de gaveta – ou o complexo de mansarda de Álvaro de Campos:
«Não, não creio em mim.
(...)
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
(...)
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
(...)
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.»
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2 comentários:
face ao conteúdo do POST não precisas de que te incentivem a escrever, mas em todo o caso, lembro-te que a forma como tratas o objecto é inédita, simples, sem artificialismos léxicais e conceptuais, e isso é de facto atraente e motivante para querer conhecer aquilo que escreves e obviamente para continuar a vir aqui quase todos os dias.
ana
doc log para mim significa um caminho para um lugar onde a análise busca ir mais longe, mais fundo. não venho aqui muitas vezes por uma razão muit simples: cada vez circulo menos na net. mas quando me afoito a sair este é um lugar onde sei que me vou surpreeender. beijo, Leonor
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