Fiquei a pensar na classificação de Tiago Baptista (no catálogo do festival da Malaposta de 2001). A forma como desenvolve a sua apreciação das tendências do documentário é muito inteligente, mas difícil de encaixar em filmes específicos, exactamente porque funde e aproxima vários filmes por género. Ou seja, constrói o género a partir da intersecção de vários filmes, mas depois alguns não cabem lá por inteiro.
Acontece que qualquer classificação dá sempre muito jeito, mas raramente descreve a realidade como ela é: diversa e desorganizada. Muitos filmes encaixarão em várias categorias e outros em nenhuma, porque as generalizações são sempre abstracções, produtos da nossa inevitável tentação de dar ordem ao mundo - que ele não tem, particularmente no campo das artes, onde se cultiva exactamente o contrário, a invenção, a procura de um olhar diferente.
Inevitavelmente, comecei a pensar nos recados do Tiago aplicando-os ao meu filme Ilusíada que esteve nessa edição do festival. Para mim, ele integra-se em pelo menos três dos subgéneros definidos: o dos temas sociais, o histórico e o autobiográfico (não de mim, mas de 4 personagens que achavam que a vida deles dava um filme). E como um dos protagonistas é um artista popular, ainda cabe parcialmente no quarto género, o dos filmes sobre arte.
Leio então: “nestes filmes [os histórico-televisivos], a variação de escala entre a biografia individual e o período histórico conjuntural, recorrendo a entrevistas, testemunhos e imagens e outros materiais de arquivo, é menos um pretexto para ‘desmontar’ as versões da história pelos seus protagonistas, do que para 'montar' as tramas habituais e tantas vezes repetidas”. Penso: desta safei-me. Exactamente porque usei 4 protagonistas diferentes para poder desmontar o “vício de perspectiva” em que o relato unívoco do passado histórico frequentemente incorre.
Em relação ao grupo dos filmes “tipicamente documentais”, “designação aparentemente vazia e redundante que pretende referir-se aos filmes que se constituíram em certa oposição, ou pelo menos, tensão em relação aos documentários mais televisivos”, “nota-se uma actualização metodológica indubitável”. “Assimilada a filmagem pós-cinema directo, os documentaristas portugueses adoptaram com sucesso estratégias do cinema narrativo apresentando-nos personagens e histórias de vida que se desenvolvem espacio-temporalmente ao longo seus filmes”. Reconheço-me nisto.
Mas logo de seguida, já me sinto escorregar do barco. Leio: “A premissa de mostrar mais do que contar levou à anatemização da voz off e ao recurso a técnicas de montagem e de mistura de som que se pretendem transparentes”. Sim, de certo modo, anatemizei a voz off, quando ela é mesmo off (exterior ao filme), mas trabalhei sobre a ambiguidade das técnicas de montagem e de mistura de som...
Mais adiante, Tiago Baptista fala do “desfasamento de perspectiva que entende que 'mostrar' supera 'contar' e 'explicar', o que parece obliterar um ponto de vista do realizador, satisfeito por apenas ‘dar a ver’, sem juízo, o fruto do seu trabalho longo (...)”, o que “parece reduzir o papel dos documentaristas a produtores de documentos, com o perigo máximo, e que podemos encontrar nalguns casos desta selecção, de uma colagem ‘acrítica’ à voz do que é dito e feito pelas pessoas filmadas. Como se toda a validade desse acto viesse justamente do direito dessas pessoas falarem de si (...)”. Pois, concordo com ele, genericamente, mas imaginarei eu uns filmes, imaginará ele outros. E revejo no meu filme exactamente o contrário disso, uma visão crítica desse direito inquestionável que cada um sente de falar de si...
Apesar de tudo, considero estas reflexões muito justas, mas infelizmente não definidas no seu alvo. Ou seja, não se pode generalizar quando se fala de objectos únicos. Cada filme deve ser avaliado por si. É a única forma de os poder julgar.
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