Barronhos era em 1976 um bairro de lata na região de Carnaxide. Houve aí um crime, que um documentário de Luís Filipe Rocha decidiu investigar. Os vizinhos depõem e ficamos a saber os pormenores da discussão que levou ao assassinato de um morador por outro (este entrevistado na prisão). Na origem do desacato estava um abaixo-assinado para pedir electricidade para o bairro, que também ainda não tinha esgotos nem água.
Havia uma comissão de moradores e um programa do SAAL para apoiar os habitantes dos bairros precários na construção de habitações mais sólidas e com condições básicas. Havia impasses, atrasos, mudanças de rumo, hesitações entre reconstruir ou realojar noutro local, havia informação omitida à população. Alguns dos habitantes – os mais ricos, comerciantes, segundo dizem – decidem fazer o abaixo-assinado para trazer a luz sem demora. Foi aí que o Braúlio, indignado, rasgou os papeis da petição e levou com um tiro do peito.
“Barronhos - Quem teve medo do poder popular?” divide-se em 5 partes – 1) O crime, 2) O Bráulio, 3) O Jaime, 4) O bairro, 5) O país - que desenham uma explicação do crime pelas circunstâncias de vida e miséria dos seus intervenientes e através da conjuntura social que se vivia na época. Não se julgue que o filme pretende branquear o crime. Apenas, ao levantar o véu de um caso passional, descobre uma realidade muito mais vasta, que procura apresentar com a objectividade de um inquérito político.
Luís Filipe Rocha constrói um documentário de investigação rigoroso, mas usa liberdades expressivas - como a reconstituição do crime sugerida visualmente, inserts frequentes, música sinfónica sobre imagens de arquivo e locução informativa com estatísticas - que referenciam claramente a fonte do discurso. É assim um filme duplamente cometido de consciência moral – pela escolha objectiva do assunto e pela posição subjectivada assumida.
(visto na Cinemateca anteontem)
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