O primeiro (documentário) dispositivo, A Conversa dos Outros, de Constantino Martins e Nuno Lisboa, coloca a câmara frente a uma cabine telefónica utilizada por imigrantes brasileiros e grava as suas conversas. Uma ideia minimal (mas não inédita) que abre expectativas largas de aceder a universos - íntimos, culturais, sociais - desconhecidos. Na prática, há uma ou duas conversas com mais interesse e as restantes esmorecem na banalidade. O filme não chega a encontrar uma forma narrativa interior, nem procura construir um quadro das circunstâncias que identificam o conjunto das personagens como grupo ou género ou temática. Não há grande relação entre as conversas dos outros senão serem outras. O processo salienta-se: o mistério alheio ouvido a uma certa distância.
O segundo dispositivo, Falta-me, de Cláudia Varejão, pede às pessoas que escrevam numa ardósia o que lhes faz falta. São dezenas os intervenientes, cabendo cada um em 10, 20 ou 30 segundos. Nuns casos, a personagem é apresentada brevemente pela actividade profissional ou pelo local onde se encontra, noutros (sobretudo quando são personalidades públicas) a apresentação é dispensada. Assim, de cada vez que aparece uma nova pessoa, ficamos na expectativa de saber que palavra irá escolher, que carência a irá definir.
O que me surpreendeu neste exercício existencial é que realmente há sempre uma coisa - só uma coisa - que em cada momento da vida nos falta mais. Isso que nos falta cabe até numa só palavra. Essa descoberta tocou-me como uma pequena verdade de trazer no bolso. Inevitavelmente, desde os primeiros momentos do filme, comecei a pensar no que a mim me faltava. Mas há sempre excepções: a freira a quem não falta "nada" e o varredor de rua a quem falta "tudo e nada". Do conjunto dos depoimentos escritos ressalta a ideia de como todos temos necessidade vitais tão diversas. Resulta também uma colecção inédita de carências humanas.
Em ambos os casos, um dispositivo que busca, e atinge, algo de íntimo e essencial nas personagens alvejadas, sem ter de percorrer um longo caminho de aproximação. Embora o contacto com o real seja superficial, o conceito é universal e sustenta-se como um jogo.
(vistos na Videoteca do DocLisboa, onde são projectados amanhã e hoje, respectivamente)
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