Mecanismo que produz um resultado ou efeito. Conceito artístico que se adequa ao filme Retrato de Carlos Ruiz. Um documentário estruturado sobre um dispositivo estético claramente delimitado: imagem a preto e branco, os monólogos em off do pai e da mãe; as fotografias de família; imagens em movimento de situações quase estáticas.
A conjugação destes factores produz uma obra fortíssima, em que as memórias individuais dos pais, as suas considerações um sobre o outro, são ouvidas sobre antigas fotos sorridentes de família ou sobre as suas imagens actuais, semi-encenadas e mostrando-os imóveis, na cama, em casa, na rua, na praia, sempre afastados um do outro ou solitários.
O discurso - sustentando o conteúdo existencial do filme, tocante de amargura e resignação - está sempre fora de campo e é ilustrado por imagens de paisagens, campestres ou urbanas (Sevilha), onde por vezes aparecem os pais, também eles filmados como paisagem, da escala macro ao plano geral, sempre quase imóveis, expectantes sem expectativa, dois solitários cujos eloquentes desabafos reflectem sobre uma vida inteira de casal “infeliz”.
A alternância espaçada das suas vozes (nunca há diálogo) reforça a percepção do seu afastamento, e o contraste entre as memórias e as imagens fotográficas que elas contradizem, e, por outro lado, a encenação daquele isolamento através de poses actuais, acentuam a cisão interior ao casal. A oposição entre os discursos fluentes e as suas imagens sempre mudas revela a angústia de tudo o que calaram durante a vida e nunca disseram entre eles. É um filme sobre um modelo de casamento hoje em falência, aqui testemunhado por um filho em relação aos seus pais, sem sentimentalismo e com mãos de esteta.
(visto ontem no DocLisboa)
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