A fresca polémica com o André Dias* – depois de meses a escrever sem contraditório – foi para mim saudável e estimulante. Encontrar pessoas interessadas em partilhar e discutir a experiência do cinema é o meu ideal. Mas é mais difícil entendermo-nos. Não apenas porque temos experiências e visões diferentes, como porque a linguagem é mais equívoca do que parece. Quando eu pensava que as minhas palavras eram claras e límpidas, descubro que elas são lidas a partir de outro referencial - outro dicionário – e com pressupostos muito diferentes. E vice-versa, deduzo.
Mas se neste caso falamos de uma obra específica, serão tão discutíveis as divergências como as intersecções que ela provoca. Parece quase pueril pôr as coisas nestes termos, mas - para mim própria - quero fazer algumas perguntas, a que não tentarei responder já. O cibervisitante há-de achar que esta discussão parece sobre o sexo dos anjos. Mas pode participar:
- É interessante as pessoas não se entenderem, ou é interessante saber por que não se entendem?
- De que qualidade é a resistência às ideias do outro?
- Haverá interpretações mais certas que outras?
- Uma obra será a soma ou a intersecção de todas as suas interpretações?
- Existirá uma dicotomia entre emoção e entendimento, na recepção de uma obra de arte?
- O que é expressão e o que é a expressividade?
- Que juízos e deduções implica a convocação da ideia de narrativa?
- O que pode a análise fazer pela compreensão da obra?
- Qual a diferença entre sentimento, sentimentalismo, sensação, emoção e comoção?
- Até onde podemos ou não fazer juízos de valor sobre o conteúdo humano das obras?
- Até onde pode ir a observação formal?
- Que vocabulário é adequado à descrição da obra?
- Que vocabulário é adequado à interpretação da obra?
- Que vocabulário é adequado à experiência subjectiva da obra?
- Poderemos misturar todo este vocabulário sem entrar em territórios do indizível, da poética de cada qual e de categorias tingidas do gosto?
- Será o vocabulário uma questão central à expressão de ideias?
- O vocabulário expressivo será impreciso?
- Com que vocabulário se discutem raciocícios?
- O que é um cinema que procura apagar-se a si próprio como um buraco negro?
- Qual a diferença entre apagar-se e negar-se?
- Qual a diferença entre retorno, regresso, regressão, retrocesso ou refundação?
- Se não compreendemos uma obra, seremos dela excluídos?
- A quem procura a obra incluir?
- Até onde as intenções do autor iluminam a obra?
- Até onde falsas pistas podem obliterar a compreensão da própria obra?
- A que ponto o peso simbólico de Auschwitz esmaga todas as leituras?
- Até onde uma leitura é magra ou gordurosa?
- Até onde uma imagem é plana ou profunda?
- A partir de onde uma leitura é moral?
- Ser moral é imoral?
- Até onde desconfiamos de algo que não compreendemos?
- Até onde conseguimos explicar o que compreendemos?
- Um “real matricial” será um dogma ou uma preexistência?
- O que é - e o que não é - violência?
- A violência está no gesto ou na sua recepção?
- O que é um limbo?
- Um embrião será uma síntese?
- Uma discussão será um desencontro?
(Foto de Ringbahn de Filipa César)
2 comentários:
Só para baralhar: não há questões, apenas problemas.
e baralhando ainda mais (ou talvez não): "a comunicação é um contínuo mal entendido".
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