06 janeiro 2006

Falar de cinema


A fresca polémica com o André Dias* – depois de meses a escrever sem contraditório – foi para mim saudável e estimulante. Encontrar pessoas interessadas em partilhar e discutir a experiência do cinema é o meu ideal. Mas é mais difícil entendermo-nos. Não apenas porque temos experiências e visões diferentes, como porque a linguagem é mais equívoca do que parece. Quando eu pensava que as minhas palavras eram claras e límpidas, descubro que elas são lidas a partir de outro referencial - outro dicionário – e com pressupostos muito diferentes. E vice-versa, deduzo.

Mas se neste caso falamos de uma obra específica, serão tão discutíveis as divergências como as intersecções que ela provoca. Parece quase pueril pôr as coisas nestes termos, mas - para mim própria - quero fazer algumas perguntas, a que não tentarei responder já. O cibervisitante há-de achar que esta discussão parece sobre o sexo dos anjos. Mas pode participar:

  • É interessante as pessoas não se entenderem, ou é interessante saber por que não se entendem?
  • De que qualidade é a resistência às ideias do outro?
  • Haverá interpretações mais certas que outras?
  • Uma obra será a soma ou a intersecção de todas as suas interpretações?
  • Existirá uma dicotomia entre emoção e entendimento, na recepção de uma obra de arte?
  • O que é expressão e o que é a expressividade?
  • Que juízos e deduções implica a convocação da ideia de narrativa?
  • O que pode a análise fazer pela compreensão da obra?
  • Qual a diferença entre sentimento, sentimentalismo, sensação, emoção e comoção?
  • Até onde podemos ou não fazer juízos de valor sobre o conteúdo humano das obras?
  • Até onde pode ir a observação formal?
  • Que vocabulário é adequado à descrição da obra?
  • Que vocabulário é adequado à interpretação da obra?
  • Que vocabulário é adequado à experiência subjectiva da obra?
  • Poderemos misturar todo este vocabulário sem entrar em territórios do indizível, da poética de cada qual e de categorias tingidas do gosto?
  • Será o vocabulário uma questão central à expressão de ideias?
  • O vocabulário expressivo será impreciso?
  • Com que vocabulário se discutem raciocícios?
  • O que é um cinema que procura apagar-se a si próprio como um buraco negro?
  • Qual a diferença entre apagar-se e negar-se?
  • Qual a diferença entre retorno, regresso, regressão, retrocesso ou refundação?
  • Se não compreendemos uma obra, seremos dela excluídos?
  • A quem procura a obra incluir?
  • Até onde as intenções do autor iluminam a obra?
  • Até onde falsas pistas podem obliterar a compreensão da própria obra?
  • A que ponto o peso simbólico de Auschwitz esmaga todas as leituras?
  • Até onde uma leitura é magra ou gordurosa?
  • Até onde uma imagem é plana ou profunda?
  • A partir de onde uma leitura é moral?
  • Ser moral é imoral?
  • Até onde desconfiamos de algo que não compreendemos?
  • Até onde conseguimos explicar o que compreendemos?
  • Um “real matricial” será um dogma ou uma preexistência?
  • O que é - e o que não é - violência?
  • A violência está no gesto ou na sua recepção?
  • O que é um limbo?
  • Um embrião será uma síntese?
  • Uma discussão será um desencontro?
* vide comentários abaixo em Grau Zero
(Foto de Ringbahn de Filipa César)

2 comentários:

André Dias disse...

Só para baralhar: não há questões, apenas problemas.

Anónimo disse...

e baralhando ainda mais (ou talvez não): "a comunicação é um contínuo mal entendido".