12 janeiro 2006

O mistério das sondagens



Ando há dias a moer uma pergunta muito simples: porquê divulgar projecções eleitorais, em vez de dar os números da sondagem propriamente? A sondagem do Público de sábado passado (9 Jan.06) que, na primeira página dá 60% a Cavaco, vê-se depois que é uma estimativa e que, nas intenções directas de voto, ele só tem 38%, enquanto MS e MA não chegam aos 10% cada, JS e FL têm juntos 7% e há 23% de indecisos (presumivelmente de esquerda). Fazendo umas contas mágicas que o eleitor comum jamais há-de compreender, lá distribuem – proporcionalmente ou com outro critério mais complicado - os 36% que sobram (indecisos, abstencionistas, brancos e nulos) e dá aquela aberrante estimativa que pode ser vista como pura manipulação.

A VERDADE é que Cavaco só tem 38 ou 39%, está longe da maioria. A soma das intenções de voto expressas em candidatos de esquerda soma 25%. Há 23% de indecisos (Não sabe/ Não responde). Com base nesses valores, fiz o gráfico acima.

Por que é que os jornais não apresentam em manchete: “23% de indecisos”? Porque ignoram os indicativos de abstenção? (Mas 12 % parece-me pouco.) Por que não informam didacticamente sobre a diferença entre uma sondagem e uma estimativa? Ou sobre a diferença qualitativa entre uma sondagem aleatória e outra por quotas. Eu bem gostava de ser elucidada sobre isso. Não considero que “isso” sejam contas para além da compreensão do mortal dos eleitores. (A estatística é ensinada no ensino básico obrigatório.)

No entanto, ao consultar o blogue Margens de erro, dinamizado por um especialista de sondagens da Universidade Católica, sou confrontada com a dificuldade de apreender todas as explicação dos termos técnicos. E continuo na ignorância sobre a explicação fundamental acerca dessas opções técnicas. Este blogue que, dizem, todos os políticos consultam avidamente, pois compara os resultados das diversas e sucessivas sondagens, é um site só para especialistas e fanáticos: mais interessados em discutir a margens de erro de uma técnica ou de outra, as suas vantagens relativas, as suas variações na estimativa, como num jogo de apostas e pontuações, ou numa corrida de aficcionados. Em suma, um exercício de adivinhação.

Ali não encontro qualquer esclarecimento capaz de satisfazer o eleitor comum. Nos sites dos candidatos, não vejo nenhuma versão contraditória dos factos das sondagens. Nos jornais, encontro sensacionalismo e preversão dos números. No DN esta semana, uma sondagem actualizada todos os dias pretende demonstrar a evolução dia-a-dia das tendências do voto, como se fosse um campeonato, ou uma volta a Portugal em bicicleta. Este empolamento não passa de uma falácia para criar suspense e vender jornais.

Na realidade, há quatro campanhas eleitorais em concorrência: a pré-campanha, a campanha formal, a campanha dos media e a campanha das sondagens. Todas pretendem influenciar – não se sabe bem com que efeito – as reais intenções de voto dos leitores, ouvintes e espectadores. Seremos nós marionetas wireless?

14 comentários:

xatoo disse...

sim - alguem está a construir um Estado Securitário,,, alguem neste momento decide por nós o que vai ser o nosso futuro

Anónimo disse...

os que não votam, não contam. isto no final das eleições. os indecisos são distribuídos proporcionalmente - apenas porque se assume que os indecisos se comportarão com os já decididos. além do que, desta forma, em termos matemáticos, se minimiza o erro expectável de se atribuirem esses votos aos candidatos. com um bocadinho de jeitinho, vais ver que os 60% é uma regra de três simples, coisa que dantes se aprendia na primária.

Leonor Areal disse...

Mas se se presume que os indecisos se comportam como os decididos, para que serve uma sondagem? Para os ajudar a decidir. E para que serve (no Público) constatar que 2/3 do eleitorado PS acredita que Cavaco ganha à primeira? Quer isso dizer que eles vão votar nele? Talvez não.

Leonel Morgado disse...

Não se ofenda, mas "apanhou o pássaro e deixou-o fugir"... Ou melhor, encontrou o ouro e diz que é falso.
O melhor sítio para se informar é mesmo o Margens de Erro. Só que não está feito para quem ache que se pode explicar repetidamente tudo numa só sondagem... É preciso ir lendo, ir acompanhando, para ir aprendendo. Nada se aprende num só texto, isso é uma ilusão.

O Pedro Magalhães não se repete, mas toma geralmente o cuidado de incluir links para explicações anteriores ("como já disse aqui e aqui"). Um dos temas recorrentes que ele aborda é precisamente os métodos para distribuir indecisos entre candidatos e abstenção, as análises científicas aos resultados desses métodos, os problemas de metodologia, as falácias de raciocínio, etc.

Se quer aprender alguma coisa sem tirar um curso... acompanhe o Margens de Erro diariamente ou semanalmente, não o faça apenas como quem come um pica-pau.

Anónimo disse...

"como quem come um picapau"?!?!?!

Qual será a origem desta expressão idiomática?

Leonel Morgado disse...

O prato, evidentemente, não a ave...

Anónimo disse...

As críticas ao Sr. Pedro Magalhães são totalmente injustificadas. Sou um leitor assíduo e o autor do blogue tem tido SEMPRE o cuidado de clarificar o método e os resultados das referidas sondagens. É evidente que por vezes a linguagem é muito técnica, mas essa é uma inevitabilidade. Se os políticos "veneram" o blogue pelo volume de informação que fornece, creio até que é um bom sinal. Isto não invalida que esteja de acordo consigo em muitos dos aspectos que aponta.

Cumps

Leonor Areal disse...

Obviamente, não critico o autor do blogue. Apenas não encontro nele resposta para as minhas dúvidas de leiga.

Anónimo disse...

Não encontra porque quer que tudo seja simples e imediato.
Para esclarecer bem as suas duvidas teria de estudar um pouco. Ora aboboras, não seja preguiçosa.
Quer perceber como se faz um sondagem, a fiabilidade destas mas não quer ter o trabalho de estudar as explicações necessarias para perceber isso.

Cam

Anónimo disse...

Sem querer substituir-me à leitura das Margens de Erro, onde o que se que segue estará, sem dúvida, melhor explanado, eis um post (este) com prováveis consideráveis margens de erro, mas permita-me que chame a atenção para o facto de que a afirmação "A VERDADE é que Cavaco só tem 38 ou 39%, está longe da maioria" não está correcta e é perigosa por poder trazer um falso conforto e levar à desmobilização dos que não querem ver Cavaco na presidência (entre os quais me encontro). De facto, aqueles valores são obtidos com a inclusão quer dos eleitores que afirmam não votar (12%) quer dos que afirmam votar branco ou nulo (1%), que fazem parte dos 100% dos entrevistados mas não fazem parte dos votos expressos. Isto é, há de facto apenas 38% de inquiridos que afirmam ir votar Cavaco mas há também 13% dos inquiridos que afirmam não ir votar nestas eleições ou votar branco/nulo. Ou seja, admitindo como válida aquela intenção de voto em Cavaco (e a própria sondagem, claro está), os 38% ou 39% de Cavaco referem-se a (100%-13% dos eleitores)=(87% dos eleitores). Assim, o candidato apoiado pelo PSD e pelo CDS teria, sem contar com os indecisos, 100x38/87=~44% dos votos... Falta inserir os indecisos - e na ponderação é que entram os modelos estatísticos (e a arte!). Admitindo - como exemplo, apenas - uma situação limite (pouco provável) em que todos os indecisos se abstivessem, Cavaco teria a possibilidade de ganhar pois os 38% seriam sobre (100%-13%-23%)=64% dos eleitores, ou seja, Cavaco teria 100x38/64=59%... Razão pela qual Mário Soares afirma que a abstenção (à esquerda, entenda-se!) é o maior adversário da esquerda. Como é de esperar que o maior número de indecisos seja, actualmente, à esquerda, nada está perdido ainda (desde que votem!) e Cavaco pode descer das actuais alturas num enorme trambolhão (não será à toa que a sua candidatura e os seus apoiantes pedem a vitória "à primeira": é que com uma segunda volta com Mário Soares nós sabemos que eles sabem que nós sabemos que eles sabem que se arriscam a perder de vez e para sempre o candidato que apoiam).

Raul Lima

Leonor Areal disse...

Sim, essas contas (retirando os abstencionistas)serão as mais justas. Não creio que saber que cavaco está abaixo da maioria desmobilizasse o eleitorado de esquerda, se fossem apresentados os números dos indecisos. De outra forma, é sempre uma tentativa de induzir o sentido do voto. Acho que os eleitores não são mentecaptos e todos teríamos direito a conhecer os números simples e a tirar daí conclusões simples para a própria opção de voto. Pois os números quanto mais elaborados mais mentem. Será que já alguém confia neles? Como lembra Eduardo Cintra Torres (no Público de 8 Jan.): "as pessoas agem com as percepções que têm da influência dos media, (...) num processo que se chama a influência da suposta influência".

Anónimo disse...

Quanto à desmobilização, só quis sugerir que os "38%" da Cavaco poderiam levar alguns a passar do extremo - "não há qualquer hipótese de Cavaco não ganhar", como muitos querem levar a fazer crer comentando sobre os valores das sondagens na casa dos 50-60% - a um erróneo sentimento de que afinal não é necessário um esforço assim tão grande de mobilização quer na campanha quer no dia das eleições porque Cavaco não estará nas sondagens assim tão bem. De uma forma e de outra se perdem eleições e referendos.

Raul Lima

Anónimo disse...

Pois... A ignorância realmente é uma me#da. Talvez devesse ler umas coisitas, não? Sempre é melhor que culpar o Pedro Magalhães pela sua ignorância...

Jose Moreno disse...

Gostei sobretudo da pergunta final: "Seremos nós marionetas wireless?"